Crítica: Os Infratores



John Hillcoat trilha em seus três únicos filmes uma notória ascensão. Em A Proposta (The Proposition, 2005), é reconhecido o talento que o diretor australiano inaugura em seu primeiro filme. Realizado com seriedade, temos um faroeste-moderno que apresenta um filme falho em muitos pontos, mas promissor no ponto de vista da direção. A Estrada (The Road, 2009), confirma a expectativa e sela no currículo do diretor um longa grandioso, um filme-cinema com alma em suas execuções, bem cuidado em fotografia, direção, enredo e boa escolha de atores. Longe de ser um blockbuster, A Estrada contempla-se facilmente como um raro bom filme apocalíptico, de visão honesta e com interesse maior em convencer do que em entreter.

Seu terceiro filme, Os Infratores (Lawless, 2012), sobe mais um degrau na escada qualitativa do diretor. Confirmamos neste ato a grande eficiência em todos os aspectos de um grande filme. Mesmo tratando de um tema já revisto muitas vezes no cinema – e com sucesso – e baseado em uma obra literária, temos aqui mais um grande exemplar a respeito da Lei Seca dos anos 30 nos Estados Unidos.

O que dá uma característica mais singular, no entanto, é mesclar o gênero gângster com um western caipira. Em épocas de Al Capone, estamos acostumados a ver as grandes cidades enaltecendo mafiosos como Deuses, com relevâncias pomposas em todos os detalhamentos de sua história. Temos um gângster muito temido, uma grande cidade, muito dinheiro e um poderoso e incorruptível chefe de Estado. Muito pouco disso faz parte em Os Infratores.

A trama concentra-se, assim, na história dos irmãos Bondurant, foras-da-lei iniciantes e vendedores de bebida alcoólica neste período norte-americano. Temos personagens amadores, embora corajosos e cheios de histórias de invencibilidade para contar. Este ponto é muito interessante e mostra por um ângulo diferenciado a situação política da época, até de como a população encarava estes infratores como ídolos, enaltecidos inclusive pelo cinema e presenteados por um glamour gratuito.

Os Bondurant são tidos como machões em sua pequena cidade, quem sabe uma pequena vila, de trejeitos caipiras e onde costumes do interior ainda imperam nas casas e igrejas do vilarejo. Dentre os irmãos, a história foca em Jack (Shia LaBeouf), o mais tímido e desencorajado dos três, e o qual será motivo para grande parte argumentativa para o desenrolar do filme. Entendemos, assim, um bom resumo da moral deste personagem na cena que inicia o filme.



Jack é incapaz de matar um porco, fato que retrata a fama com seus irmãos de sua incapacidade de ser sanguinário, impiedoso. Ele será posto a prova para garantir que seu lugar nesta força bruta esteja consolidado. Com suas vitórias, é muito válido também entender o meio que envolve a conquista de um infrator, ao passo de que ele não sabe ao certo o que fazer com sua recompensa. Dessa forma, compreendemos o quão bem retratada é a sua personalidade: na aquisição de um carro mais potente, na prepotência ao gabar-se aos irmãos, na compra de um vestido e até na bem-humorada e atrapalhada compra de seu primeiro sobretudo, que, acredita ele, o selaria como um gângster.

Muito envolvente, o que talvez mais chame a atenção em Os Infratores seja mesmo a composição de elementos certeiros no filme. Talvez a história não chame muita atenção devido ao tema recorrente – embora, repito, com filmes excelentes –, ainda que busque não cair no lugar comum e tente destacá-lo por outro olhar, sem repetir sequer uma mesma Chicago. Porém é interessante perceber em claras cenas o destaque à uma polícia corrompida e um humor autossuficiente para rir de si mesmo, por mais íntima que seja a piada. Tem-se direção de arte e fotografia muito eficientes, de cenas respeitosas, bons travelings mostrando um belo passeio de câmera e apresentando a linda paisagem rural do longa.

Uma trilha sonora hábil também impõe seu interesse maior: músicas alegres e com trejeitos marcantes denotam um filme harmonioso, sem uma pegada tão séria ou que denote uma intenção de estrelato. Com isso, percebemos um áudio agradabilíssimo, de fácil acesso para uma plateia mais abrangente, ainda que marcado por canções típicas do gênero.

O filme não merece, no entanto, ser creditado somente ao diretor John Hillcoat. Ainda que seja dele também essa virtude, um elenco cheio de boas atuações garante fácil a boa execução e interpretação de várias cenas. Além de Shia Labeouf, estão no filme: Tom Hardy, Guy Pearce, Jessica Chastain e Gary Oldman.



Como marca do gênero, a violência impõe-se onipotente em todas as oportunidades em que tem para atuar. Não solitária, ela é retratada de modo seco, e é possível perceber como muitas cenas melhoram com o aumento da violência e o interesse em mostrá-la de perto, quando possível seguida de muito sangue.

Com um interesse sincero, talvez possamos entender neste terceiro filme do diretor uma alternativa oportuna para apreciar um cinema com mais alma, retratando um dos melhores temas e gêneros do cinema com um olhar mais despojado e ao mesmo tempo arriscado. Os Infratores é um filme com cenas típicas de grandes diretores e tomadas envolventes, e em poucos minutos nos faz acreditar que teremos cenas bem trabalhadas, honestas em entregar em tela algo único e com a rara qualidade que se costuma querer encontrar onde nada se promete.


Destaque sonoro:




 

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