Crítica: Rocky - Um Lutador


A aparente redundância intitulada em Rocky – Um Lutador (Rocky, 1976) descreve muito mais que um pugilista. Este lutador não se concentra em músculos, todavia em sua personalidade. Construído sob pouco cérebro, muito músculo e um grande coração, o personagem de Stallone é um exemplo de brilhantismo em sua construção, que revela a visão magistral do próprio ator para abordar o drama de Rocky com um sentimentalismo sem igual.

Este sentimentalismo, o qual pode ser facilmente bem ou mal encarado, é o fator central da história do filme. Ao passo de que muitos podem considerar este exemplar voltado em demasia ao drama, à centralização da pena sobre a dor física e principalmente social do personagem, percebemos momentos singulares que comprovam o merecimento da fama e premiações a que o filme e o ator alcançaram.

Escrito por Sylvester Stallone, esta história e este personagem confundem-se à biografia do ator. Sobre este ponto, consideramos, portanto, que a sua atuação não se dá somente em encenar, mas sim em viver e provar à todos a sua contestada capacidade criativa e cênica. Como ator, Stallone teve de passar pelas adversidades mais cruéis para provar sua capacidade, enfrentando família, péssimas condições financeiras e a ignorância de produtores para o seu possível talento; cenário este que foi totalmente alterado quando o ator conseguiu vender seu roteiro sob a condição única de representar o personagem.

Estas dificuldades dramáticas do ator fazem semelhança à abordagem sobre Rocky. Na cena inicial percebemos um primeiro foco à uma imagem religiosa, que remete à perseverança do lutador; por conseguinte um local sujo, mal preparado, que aponta a má condição de sua carreira e, por último, uma torcida contra a sua vitória nos ringues, a qual quer ressaltar sua incapacidade.

A genialidade do filme está em absorver a dramaticidade do personagem como foco, excluindo a utilização de inúmeras cenas que possam caracterizar um filme esportista. Dessa forma, tem-se apenas duas cenas de luta: a inicial e a de desfecho. Sem amizades, Rocky despeja em seu animal de estimação uma fé demasiadamente mal controlada: “Se você soubesse cantar ou dançar, eu não estaria nessa roubada”.

Nesse sentido, em todo momento ele se intitula como um ignorante e burro, fadado a trocar socos com a vida como se ela fosse pedir perdão à suas más escolhas. Rocky é um diamante que ele mesmo não sabe como lapidar, e as vezes deixa a entender que não quer mesmo encarar os obstáculos dentro e fora dos ringues com muita seriedade. Com as más escolhas que obtém, ele sabe que o verdadeiro nocaute da sua vida suburbana acontecerá em questão de tempo.



Rocky sabe o que constrói uma pessoa campeã, sabe o que constrói um verdadeiro lutador, aquele que deve estar dentro de cada um de nós para duelar com os problemas naturais da vida. Percebemos, em sua caracterização, que esta luta é interna – e nem por isso fácil –, e que a vitória se dá na vontade em agredir nossos maiores medos e indiferenças. Ele está como está pela sua indiferença com os adversários que busca alimentar ao invés de combater, e é por isso que ele se sente ofendido pelo seu treinador quando o seu guarda volume é passado a uma nova promessa. Rocky queria que tudo continuasse como estava, num ciclo de derrotas, mas assim percebe que atitudes devem ser tomadas.

Pugilista de segunda mão, o personagem submete-se a rendimentos extras como agiota, fazendo cobranças à terceiros com a afronta de sua força física, mesmo que ele não tenha coragem de bater nos devedores, quando isso se faz necessário.

A luta de Rocky começa com a oportunidade de enfrentar Apollo Creed, um pugilista respeitado que o desafia sob o interesse de enaltecer sua imagem à semelhança dos EUA como terra da oportunidade (I Want You!). Assim aborda-se também a soberba como fator negativo na personalidade de um lutador.

A partir daí diferentes elementos agregam a nova visão do lutador: Ele toma coragem para conquistar Adrian, irmã de um amigo, e também desenvolve uma relação mais séria com seu treinador.

Rocky – Um Lutador trata com excelente olhar crítico ao destino de sua jornada, e vemos um embate entre a arrogância de um pugilista político que acredita derrubar seu adversário em apenas três rounds, contra a luta interna de Rocky, que se consideraria um vencedor se apenas levasse a luta para o último round, o que resume a ideia de que ele não quer ser ganhador da luta, e sim vencedor de si, onde a conquista do 15º round prova a força de sua luta em ir até o fim.

Entendemos, dessa forma, o contexto e a importância de Rocky subir as escadas, obviamente remetidas ao alcance de um objetivo, degrau a degrau. Contudo é mais interessante ainda perceber que ele não tem fôlego para subi-la na primeira tentativa. Ele só conquista o topo da escadaria do Palácio da Justiça após ser considerado um real lutador, e com certeza este fato passa longe de ser uma coincidência.



Tecnicamente, temos em Rocky – Um Lutador, um exemplar de excelência. As mãos viciadas em movimentos típicos de um lutador, mesmo em momentos fora dos ringues, mostram um detalhe interessante ao personagem. O gueto, local que vive, sua marginalização e a escolha por filmagens noturnas, representam bem a tristeza e o isolamento dele. Entre a transposição da história de Rocky, temos músicas que compõem uma trilha sonora de fácil elogio, abordando principalmente na cena de treinamento do personagem um casamento perfeito para a sensação de busca de objetivo a que ele se insere.
Rocky – Um Lutador seria, não fosse uma abordagem rara de construção de personagem, um filme voltado ao sensacionalismo, ao drama pouco embasado de um mero filme esportivo. Rocky revela-se, contudo, como um exemplar único de conquista, de coragem e honra a princípios. Uma conquista que não precisa ser exteriorizada em títulos e cinturões. Ainda que vencedor do Oscar de Melhor Filme, Stallone já teria provado sua luta a si, o que com certeza para ele valeu mais que a importância que concretizou a sétima arte.


Destaque sonoro:





 

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