Crítica: Hitchcock


Agradável a experiência de ver Hitchcock (idem, 2012). Talvez primeiramente porque a direção não tende à elevar em nenhuma potência a carreira, o personagem, a história, o gênero, ou qualquer coisa que seja. Prazeroso - ao que a sensação me permite afirmar -, o filme é simples e nada fenomenal, a menos que o definimos excelente pela sua simples capacidade de ser simples. Hitchcock demonstra-se uma visão sem exageros de alguém que teria bagagem para preencher um longo filme com boas histórias e curiosidades.

Apesar do ar sisudo e carrancudo que o consagrado diretor das décadas de 20 a 70 carrega, temos no filme um ar avesso à este pré conceito. Assim, para aqueles que imaginam assisti-lo com um provável ar sombrio e carregado de uma masturbação poética digna de um documentário, surpreendem-se pelo tom carismático e por vezes bem-humorado em contar os detalhes de uma fatia da vida de Alfred Hitchcock.

Sem maiores ressalvas negativas a fazer e também não contendo lá suas genialidades surpreendentes a relatar, o filme salda-se muito positivamente por, talvez, desconstruir a pré-disposição que vestimos para reafirmar tudo o que sabemos - ou achamos saber - sobre o personagem. Provido de literatura recente - o qual não li -, a história abrevia-se a contar parte da trajetória do diretor. Iniciando-se no término de seu até então maior sucesso, Intriga Internacional (North by Northwest, 1959), a importância seguinte remeterá a um período de incerteza de Hitchcock, em meio à sua visão e capacidade para jogar as regras do jogo, a fim de tornar viva a possibilidade de adaptar com sucesso o livro que o inspirou: Psicose.

Todo mundo já ouviu falar desta que é a obra máxima do diretor, bem mesmo já viu e reviu entre infinitas referências a cena da banheira que se tornou um cartão de visitas. Pois o filme aqui focaliza ainda mais seu interesse em não rever a carreira do diretor, tampouco analisar Psicose por completo. Sabendo da popularidade da famosa cena, temos aqui quase um filme sobre uma cena, não fosse outros detalhes não menos importantes.



Para chegar até a tal cena do esfaqueamento, Hitchcock contempla-se nos pormenores que circundam sua realização e, assim como outras raras obras, remete-se a importância de fazer cinema justamente sobre cinema, algo que nem todos estão prontos para ver e ouvir. Dentre as brigas de bastidores - e o charme histórico que elas carregam - relembro rapidamente de Barton Fink (idem, 1991), dos irmãos Cohen, como visão interna, e também O Artista (The Artist, 2011) como obra de homenagem.

O âmago presente neste filme dirigido pelo iniciante Sasha Gervasi, desprende-se no objetivo de imergir os sentimentos, as ideias, os interesses e principalmente as influências que a realização carrega. Trazendo a visão do filme aos fatos históricos, acompanhamos o drama e a dificuldade que é pontuar cenas e roteiro com visão de um único diretor, como em breve momento se cita no filme. Esta aclamação ao incorreto nos possibilita perceber que a diversão de 90 minutos de algumas pessoas possa ser também a aposta da vida de alguém, afinal, é nisso que este filme também tenta mostrar. Hipotecar a casa, discutir interesses com executivos, arriscar a credibilidade recente da carreira e tornar vulnerável a relação com a esposa parece mesmo ser arriscado em demasia.

É disso que Hitchcock quer falar, afinal.

Estes bastidores envolvem além de carga histórica à cena clássica que o filme busca relembrar, também uma carga emotiva e de apelo à sua importância. Percebemos, entre os interesses de estúdio em censurar ou minimizar polêmicas e as intenções de um diretor que busca unicamente provocar reações em seus espectadores - algo que, relembremos, é o propósito de um filme - quanto suor e interesse artístico deve conter nas intenções de seu realizador maior.

Alterando momentos, a obra intercala a vida profissional e pessoal do mestre do suspense. Alma (Ellen Mirren), esposa de Hitchcock (Anthony Hopkins), ganha grande importância na trama, provavelmente próximo da realidade - e aqui desconheço fatos para julgar. O fato é que a presença da esposa, com a importância a que foi dada, ressalta justamente a intenção maior deste filme, de retratá-lo com mais humanismo e menos arrogância.



Hopkins, com maquiagem esforçadamente oportuna, esconde-se atrás de seu personagem. Ali não tinha um ator, tão somente a figura de sua representação. Tentando dar à este quesito o merecimento que o próprio alcança, entre raras críticas negativas à quesitos visuais, fica em grande saldo a caracterização e a receptividade do trabalho de maquiagem, afinal, representar a face limpa e com poucas nuances de Hitchcock não é como retratar o rosto de um Jack Sparrow.

Numa esfera mais abrangente, a boa realização traz consigo um saudosismo bem aceitável à sua imagem. Propõe a nós, a chance de compreender que há muito tempo se fazia um cinema diferente - nem por isso melhor ou pior -, mas que teve importância concreta naquilo que hoje assistimos por vezes imaginando jamais ter sido pensado. É quando o cinema, garimpador de boas histórias, volta à si para relembrar que elas não advém unicamente dos outros (e aí mora a maior humildade de um filme), e assim pedir atenção para mostrar que seu trabalho também carrega conteúdo dramático capaz de fazer jus à sua missão: contar um pouco da SUA própria história.




 

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