Crítica: 2001 - Uma Odisséia No Espaço


Por trás de todo gênio há um pouco de louco. A incompreensão inicial, contínua e a incapacidade de entender essa obra de forma definitiva é o caminho pra se entender melhor aquilo que a própria obra propõe. Aquilo que o traz aversão inicial e prolongada, misturando-se com o tempo, com a dúvida e a incerteza de seu próprio pensamento quanto às ideias alheias sobre este mesmo produto, é o mesmo caso que será julgado com desprezo e com brilhantismo. Se o homem, em sua história, não conhece a verdade ou a razão sobre aquilo que ele mesmo quer achar uma explicação sem saber se de fato exista, esta dúvida aparentemente eterna ou, quem sabe, erroneamente interpretada por quem se considera detentor de uma verdade absoluta e adquirida, esta será a maior obra da sétima arte capaz de resumir em infinitos tipos de análises aquilo que hoje representamos no universo e conhecemos sobre nós mesmos. Pouco.

Não se trata de uma tentativa de apresentar algo incompreensível, mas sim de retratar com frieza e exatidão o que ainda não compreendemos. A maior habilidade desta obra se dá na imensa capacidade de atingir tudo aquilo que inicialmente foi proposto. E isso não é pouca coisa. Essa ideia se fundamenta e ganha força quando se analisa o conteúdo principalmente filosófico e extremamente abrangente da proposta. É como se tentássemos abraçar o mundo, resumi-lo, traduzi-lo, explicá-lo e, principalmente, defini-lo por completo, a nós mesmos. Também não se trata de uma filosofia barata ou pensamento mascarado de procurar complexidade e profundidade inexistentes sobre uma abordagem rasa, de poucas análises e fundamentos. O que se procura, na verdade, é a sua dúvida e o seu conhecimento maior sobre si mesmo.

Se na nossa própria história, oriunda de milhares de anos, não nos mostra nem nos dá capacidade de um pensamento único sobre a explicação do todo, esta, dentre aquilo que a humanidade neste momento de sua história é capaz de produzir, será a melhor explanação sobre a aceitação da incapacidade atual de saber o que significa o mistério. Através das áreas do conhecimento por nós desenvolvidos e interpretados da natureza que nos mantém, obtivemos conclusões através de experimentos e hoje julgamos o nosso próprio universo e tudo aquilo que nele está contido em busca somente da única coisa que realmente nos parece interessar: cessar a angústia humana sobre sua razão de existir. Não, não penseis que ela já fora encontrada, demo-nos ao direito somente de imaginar que estamos a caminho, tão somente, sem inclusive tentar medir o tempo, julgando-nos perto ou distantes deste objetivo, já que nem sobre ele temos tanto conhecimento.

Esta obra única da história do cinema é assinada por um gênio, que em outra oportunidade já fora descrito aqui. Marcado por sua capacidade de sempre fazer adaptações para o cinema extremamente qualificadas de obras literárias, nessa obra aqui descrita, há um algo mais. Trata-se, novamente, de Stanley Kubrick. A obra: 2001 - Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968). Esta é a representação máxima de sua filmografia, de sua capacidade de expressão. Tanto que ela poderia ser encarada de forma paralela, sem a obrigatoriedade de comparações diretas a outros filmes, como outra obra qualquer da história do cinema. Isso porque o que este trabalho busca propor está justamente muito além de uma simples explanação, de uma apresentação de ideias tramadas num roteiro na tentativa de fazer cada expectador compreender a ideia do diretor, do roteirista, julgando tão somente o conteúdo da história que foi proposta. “2001” é mais. Quer mais, muito mais. E para chegar a seu objetivo, liberta-se de qualquer pensamento pré-definido sobre representação das ideias através das imagens. Se a abrangência e o interesse são infinitamente amplos, o comportamento e a apresentação do conteúdo tem que acompanhar o compasso. E o longa se mostra imenso nas imagens e na profundidade, e é, sem sombra de dúvidas, um filme muito atual. Não se trata de um filme para cinéfilos, não se trata de puramente entretenimento, não se trata de diversão. Seria esta uma magnífica expressão sobre um ponto-de-vista particular de explanar e demonstrar estas ideias através de um veículo de comunicação a toda a parte interessada.

Não serão, portanto, discutidos e demonstrados interesses pontuais na elaboração da trama e do roteiro sobre a obra. Não cabe criticar personagens nem interpretação de atores. Não cabe tentar encontrar simples palavras e argumentos para resumir tão cruamente o que é de uma abrangência infinitamente maior. Vale, sim, parar e analisar o todo, tudo que nele se insere, na ilusão de achar uma resposta unânime. Assim, Kubrick inicia sua épica jornada mostrando ao expectador quem ele é, de onde ele provém. Atribui, assim, um choque inicial, muito bem interpretado. Nos primeiros trinta minutos seremos primatas, desprovidos de uma inteligência mais aguçada, mais convincente e cômoda sobre si. Nisso, a proposta de voltar três milhões de anos no tempo, com a ausência – óbvia – da fala, não propõe nada, ao contrário, obriga o espectador a tirar conclusões, a entender-se, a encontrar respostas, aquilo que ele fará ao longo de todo o filme. Entraremos em contato com um misterioso monolito, instintivamente o estudaremos, assim como faremos posteriormente com o mesmo monolito, passados os três milhões de anos, dando a ideia de não-progressão, ou de uma progressão imaginária e ilusória. Somos ainda como primatas na vastidão da complexidade do universo. Isso, claro, marcado por uma trilha sonora indescritível, mas que aqui, cruelmente, tentarei fazer. Diante do interesse maior deste longa, não se poderia, jamais, abdicar-se da oportunidade de utilizar-se o cérebro de cada espectador sem a consciência do próprio para fazê-lo entender a mensagem central de cada cena. A demonstração lenta dos acontecimentos e a narrativa sem pressa da história tenta-nos fazer acompanhar o ritmo, nos acalmar e preparar para o que está por vir. Serão as inconfundíveis e marcantes trilhas sonoras dos filmes de Kubrick que resumirão em áudio aquilo que se poderia falar. Porém, assim como tudo no longa, é melhor propor a interpretação do que entregar uma explicação pronta no conforto de entender facilmente uma ideia. Daí, até chegar à marcante cena do homem entrando em contato com seu primeiro instrumento de trabalho e manuseio, já se espera ter preparado o terreno para o que tem por vir.



Passados estes minutos introdutórios, faz-se o maior corte da história do cinema: três milhões de anos. E parece que estamos em contato com uma nova espécie: o homem detentor de conhecimento. Sua inteligência está no foco do filme, e o fará ir à Lua e à Júpiter. Longe, como sua imaginação. Porém, outras propostas seguirão, dando início às abordagens mais contemporâneas, principalmente a relação do homem com a máquina, utilizando-se de uma inteligência artificial, representada pelo computador HALL-9000. Esta odisseia no espaço buscará mostrar que tudo pode ser maior, muito maior que nossa própria imaginação. Que o bloqueio intelectual fará o homem parar no tempo, inconsciente de sua própria capacidade e de seu próprio limite. Porém, uma vez que não se conhece a existência do todo, o limite não haverá, será somente encontrado quando tudo lhe for explicado, e até lá, pode-se decorrer um tempo inimaginável, incalculável, tanto quanto obstáculos ainda não esperados. Esta jornada audaciosa do homem poderá lhe custar um contato mental proporcional ao seu interesse, onde se propõe uma leitura sobre a possibilidade de uma existência de inteligência paralela à do homem.

Quando a obra termina, claro, muito se observa. Há quem não entenda nada, há quem diga que entendeu tudo, há quem discorde, concorde, questione, ame, odeie ou considere-o um excelente resumo do atual estágio da inteligência da vida humana. Resultarão, por fim, diversas interpretações sobre a obra que tenta interpretá-lo. Nessa instabilidade sobre uma conclusão e definição única da obra de Kubrick, todos poderão considerá-lo uma viagem, em qualquer sentido, mas que propõe e atinge com excelência seu interesse original: enaltecendo o pensamento, a interpretação, a imaginação. Aliás, quando da elaboração do livro escrito por Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke, tudo já se resumia no pensamento de seus autores, afirmando que “se algum dia alguém disser que entendeu o significado e a obra por completo, nós fracassamos”.





 

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