No próximo dia 5 de agosto os brasileiros terão oportunidade de conferir o novo filme do polêmico cineasta Lars Von Trier. Para quem não associou o nome à pessoa, basta mencionar seus dois filmes mais famosos: Dogville e Anticristo. Ou você vibrou sentindo-se positivamente energizado, ou então o estômago revirou. Pois com Trier o negócio é exatamente esse, não existe meio-termo. Ame-o ou deixe-o.
Para ser honesto, assisti a todos os seus filmes e a verdade é que apesar de reconhecê-lo como um dos diretores modernos que mais tem domínio sobre seu ofício, não morro de amores pela obra do rapaz. Trier é capaz de criar imagens ímpares, tão belas quanto desconfortáveis, como ninguém; ele arranca atuações especiais de seus atores; promove a junção perfeita entra visual e trilha sonora (inclusive recuperando a força da música clássica) isso, claro, quando ele não está “brincando” com a força do silêncio; enfim, é uma personalidade singular no mundo de hoje, a qual merece a admiração de qualquer um que aprecie cinema, gostando ou não de seus filmes.
Quando ele anunciou que seu longa seguinte (após o controverso Anticristo) seria sobre o fim do mundo, muitas pessoas se preocuparam, ainda mais quando foi sabido que haveria efeitos especiais e planetas colidindo. Ora, esse não parece o tipo de filme que constaria no currículo de um diretor como ele. Pra qualquer pessoa que tenha essa preocupação, pode relaxar: Lars Von Trier continua sendo o mesmo de sempre; ele não se vendeu à “máquina” e nem sequer tentou fazer um filme mais comercial, mesmo que algumas declarações do próprio diretor insinuem essa preocupação. Sim, ele cede a algumas tentações românticas, a começar pelo castelo em que o filme se passa, a escolha das mulheres e a dor que ambas sentem para os papeis principais e, obviamente, a música.
Porém, a verdade é que aqui ele dá sequência ao tipo de cinema que começou a desenvolver no filme anterior, tanto em temática quanto no caráter técnico. Sobre o uso da câmera, temos vários elementos observados em Anticristo: muitos closes, câmera lentíssima, música clássica dando o tom; exceto que aqui ele adiciona mais um elemento (recuperando algo relativamente parecido com o que fazia na época do movimento Dogma 95), uma câmera-testemunha, oscilante, inconstante, trêmula, bem ao estilo do seriado The Shield.
A câmera somos nós, a plateia, o espectador, um terceiro elemento que se sente mais que uma testemunha da história, mas alguém que está efetivamente fazendo parte dela. Nós estamos lá, dentro da tela, lado a lado com os personagens.
Ao término da seção, ouso dizer que para meu gosto pessoal, apesar de desejar que o filme tivesse uns bons 20 minutos a menos, esse é o filme que mais gostei do diretor.
A história é simples. O fim do mundo está chegando por conta de um planeta desgarrado que vem em direção à Terra, batizado levianamente de “Melancolia”. Ao contrário do que faz a maioria dos filmes, que observa a reação da população do planeta em geral, Trier nos leva a uma propriedade privada de um homem absurdamente rico chamado John (Kiefer Sutherland), que não acredita na possibilidade do fim do mundo, preferindo supor que o tal choque não ocorrerá e que Melancolia fará apenas uma breve passagem ao lado da Terra.
Ele é casado com Claire (a excelente Charlotte Gainsbourg) – ela sim apavorada com a possibilidade de encarar o fim de toda a existência – e promove o casamento milionário da irmã de sua esposa, Justine (Kirsten Dunst na melhor atuação de sua carreira – a Palma de Ouro em Cannes foi mesmo merecida).
Mantendo uma das marcas registradas do diretor, o filme é dividido em duas partes, uma para cada irmã; a primeira centrada no drama do casamento de Justine, seus problemas familiares e demônios interiores; as inconsistências típicas dos seres humanos, a luta contra uma depressão aguda cuja causa nunca fica absolutamente clara. É ela que protagoniza os melhores momentos do filme, ao ponto de você imaginar que o universo de melancolia que há dentro da moça, linda, inteligente, bem sucedida, com um homem que a ama e milhares de motivos para sorrir a despeito das dificuldades, é maior que o próprio Melancolia, e tão capaz de destruir o mundo quanto ele.
Justine é chata e irritante, mas você a quer na tela o tempo todo. Sua complexidade é tão notável, quanto adorável. Você a vê no casamento, agindo de forma inconsistente, porém ainda carece de várias informações que só são fornecidas depois. Você a julga, e depois se arrepende de ter julgado. Trier mexe com a plateia de forma singular!
A segunda metade é centrada em Claire e na descoberta que o fim realmente chegou. É quando o filme perde um pouco de sua força e poderia ser abreviado. Nada que tire, de fato, sua beleza e, na verdade, qualquer defeito que a película tenha é deixado de lado por conta da apoteose. A cena final, que você já sabe qual será desde o começo, surpreende e choca; é um cataclisma que deixa um silêncio petrificante na sala de cinema após o término da projeção, e uma sensação incômoda no espectador. No final, ficamos em dúvida se o fim do mundo físico é tão melancólico quanto o fim do mundo emocional dos personagens, atirados todos em um abismo negro que nos leva a questionar nossa própria existência e nossos supostos problemas, mas também nos faz louvar a vida, questionar o fim e a validade do próprio universo.
É um filme sério e triste, com um poderoso trio central e um elenco de apoio com nomes como John Hurt e Stellan Skarsgård, todos eles em grandes momentos, concebido por um diretor claramente diferente e deslocado no mundo, talvez tanto quanto sua personagem principal. Mas, em minha opinião, a despeito das dúvidas que ele próprio tem de sua obra, Trier entrou nos eixos e entregou seu filme mais bonito até o momento.