Crítica: Tempos de Paz


Não é de grande reconhecimento a filmografia do diretor Daniel Filho. Seu tom novelesco de uma narrativa pouco profunda parece o afastar da possibilidade de dirigir uma marcante obra no cinema brasileiro. Sua aparente pouca capacidade de narrar gêneros distintos, o marca como um diretor de gênero, caracterizado massivamente pela comédia romântica. Contudo, Daniel possui, sim, alguns sucessos de bilheteria no cinema brasileiro, como a sequência de Se Eu Fosse Você, Primo Basílio e Chico Xavier, mas cai facilmente num cinema pouco autoral, ajudado pela constante utilização de atores globais. É importante perceber, ainda, que a popularização de algumas de suas obras não atendem diretamente com a fato de ele ser ou não um bom diretor. E aí descobrimos um trabalho interessante e mais hábil presente em suas obras.

Estamos falando de Tempos de Paz (2009). Ainda que também limitado e com alguns pontos negativos, há dois grandes destaques nessa obra que me fizeram diferenciá-lo. A excelente atuação de Dan Stulbach no papel principal é uma dessas virtudes, e marca uma grandíssima semelhança com o filme O Terminal (The Terminal, 2004), de Spielberg. Fora a forte aparência do ator brasileiro com Tom Hanks (protagonista do longa de Spielberg), a situação dramática de seus personagens desperta boa curiosidade.

Em Tempos de Paz, Clausewistz (Stulbach) é um imigrante polonês que chega ao Brasil num período pós-guerra, mas, por problemas burocráticos, não consegue adentrar ao país. A semelhança profunda dessa "dramédia" se agrava no momento que percebemos que o personagem deve driblar a desconfiança de Segismundo (Tony Ramos) para convencê-lo de suas intenções benévolas. O papel caricato de Stulbach e sua destacável atuação sustentam interesse e empatia suficientes para querer acompanhar o drama de sua história. Com um jeito típico de falar, aliado à pensamentos e opiniões cômicas do personagem, Clausewistz se apresenta como um coitado, frágil, cheio de aparente inocência mas carregado de boa estratégia.

É aí que começamos a atentar para outro ponto forte do filme. Com roteiro assinado por Bosco Brasil, a história apresenta uma narrativa eficaz e muito desafiadora, pautando o filme todo praticamente num único diálogo envolto à um único local. Perceba: são apenas duas pessoas conversando, num mesmo lugar, sem auxílio de fatores que destaquem a atenção do espectador (por exemplo: um objeto, um figurino ou fugas à lembranças dos personagens), e ainda assim o roteiro condiz com grande poder de envolvimento.

Grande parte dessa virtude advém, também, do ritmo empregado ao desdobrar dos fatos. Clausewistz chega ao Brasil sozinho, fugido da guerra e encontra um país em grande abalo político. É aí que ele se apresenta como um ex-ator e agora agricultor, sem ter nenhum calo nas mãos. Fatores curiosos que despertam a curiosidade e o receio de Segismundo, que resiste em assinar o salvo-conduto que liberaria o rapaz a entrar no país. O roteiro é amarrado, ainda, à recorrentes histórias e lembranças do tempo de guerra e do teatro vivenciados pelo polonês na Europa, confrontados com a ríspida opinião de Segismundo, que narra sua tragetória dentro da política nacional.

Assim, percebe-se mais do que uma história contada entre momentos políticos, ao se revelarem sutis críticas à postura dos chefes de Estado no período de abalo econômico, mesmo que os argumentos de Segismundo escondam a fidelidade com a história real dos imigrantes ao Brasil, se percebe um tom de crítica à política, ao mesmo passo que ela tenta ser real, como o momento em que Segismundo tenta arrecadar propina do imigrante e, em um tom mais profundo, à sua postura quase como um sargento, cumpridor de ordens e incapaz de agir com dó, respeito ou bom-senso. Seu tom autoritário e frio, contudo, nos é contrastado com opiniões suaves e reflexivas de Clausewistz, que, aos poucos, abalam Segismundo e convencem-no de dar uma chance ao imigrante.



Tempos de Paz amarra-se, então, como uma obra de homenagem e referência. À profissão de ator, a capacidade de romantizar situações fora do cotidiano, de narrar o absurdo e ser reverenciado por algo que, às vezes, não entendemos mas adoramos; e, também, aos próprios imigrantes que vieram ao Brasil por diversos motivos, pessoas que tiveram importância na história da arte nacional.

Não fosse pequenos deslizes e ausência de certo capricho nessa obra, ela poderia ganhar valor ainda mais destacável. O trabalho de arte/efeito visual demonstrou-se péssimo ao focar a mão do Doutor Penna (interpretado pelo próprio diretor Daniel Filho, e com atuação bastante contestável), ainda a atuação muito razoável de outros atores globais, como o desprezível Ailton Graça no papel de Honório e Louise Cardoso, como Clarissa; atuações ruins que não comprometem o longa por sua pouca relevância na trama, e principalmente pelo foco narrativo centrado em atuações destacadas de Tony Ramos e Dan Stulbach. Sendo muito crítico, sabemos que a história central guarda algumas poucas situações forçadas, mas elas jamais chegam a comprometer o brilhantismo do poder narrativo desse trabalho.


Destaque sonoro:




 

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