Crítica: Náufrago


A natureza é a mesma que te mantém e que te destroi. Tudo depende das circunstâncias. Náufrago (Cast Away, 2000) dirigido pelo excelente Robert Zemeckis (Forrest Gump, De Volta Para o Futuro, Uma Cilada Para Roger Rabbit), é um filme que, sobretudo, propõe nas entrelinhas uma profunda reflexão sobre o desenvolvimento humano diante da natureza. Mesmo que esse não seja, talvez, o principal interesse do filme, (e acho muito difícil) é o que mais se destaca. Essa natureza mencionada é, digamos, a vilã da história, em dois aspectos pontuais deste trabalho. Mesmo sendo a natureza algo único, inseparável, imutável, ela é abordada no quesito da origem da fauna e flora com a intervenção do homem e, por outro lado, também é interpretada no quesito humano. O elo e a profundidade destas duas abordagens vividas dramaticamente por Chuck Noland (Tom Hanks) fará o longa ganhar sentido em sua história e também ganhar nexo com algo além, que, no caso, é a representação da trama num contexto globalizado.

Num primeiro ponto, a observar, pode-se fazer uma interpretação direta do longa com aquilo que o foco da história propõe: mostrar como nos comportamos diante das situações cômodas e incômodas, tanto física quanto mentalmente. Nesse sentido, equipará-lo à Pirâmide de Maslow (Abraham Maslow) não seria um absurdo, longe disso. Esta teoria parte da premissa que para o homem atingir seu estado de conforto supremo, ele deve atender e escalar cinco passos evolutivos, de modo que este “conforto supremo” só é alcançado com o cumprimento dos inferiores. Nisso, as cinco escalas propõe que o ser humano necessita, primeiramente, atender a necessidades básicas e fisiológicas (quanto à mantimentos), depois a necessidade de segurança (quanto à moradia, recursos, saúde e família), posteriormente à necessidade de relacionamento (amizade, relacionamentos íntimos), num quarto ponto a necessidade de autoestima (relacionada a confiança, conquistas, respeito) para que seja assim atingido o quinto ponto da escala, que é a realização pessoal (interesses pessoais de auto realização pessoal e profissional). Esta explicação didática, embora não muito conveniente para a explicação de um filme, define muito bem a situação vivida pelo personagem de Tom Hanks. Chuck nos é apresentado primeiramente como um líder de uma grande empresa de entregas de correspondências, a FedEx, é, portanto, uma pessoa segura, confiante em si, responsável pela gerência de demais pessoas e processos. Contudo, o “pulo do gato” do longa será inverter a situação deste personagem.

Chuck  é o único sobrevivente do avião que cai no Oceano Pacífico durante uma viagem em final de ano, e para solitariamente numa ilha. Ele retornará as origens humanas, lentamente descobrirá o vazio em que está inserido, e verá que as regras da sociedade em que vivia não existem mais. Assim que ele se dá conta, sua única luta é contra a morte. Essa abordagem feita por Zemeckis, se mostra muito contagiante, com aspectos de dramaticidade e alguns pontos de humor apresentados ao espectador. Mas é possível entendê-lo de forma mais profunda. Chuck está na base da pirâmide proposta por Maslow, e buscará, primeiramente, atender às necessidades de comida, para depois buscar explorar a ilha, encontrar mantimentos, desenvolver uma segurança mínima para postergar sua sobrevivência. Após conscientizar-se da nova realidade, busca, instintivamente, a atender ao seu conforto físico e mental. A ideia de fazer o personagem criar um companheiro imaginário é fantástica, muito mais interessante que a comicidade escancarada das cenas possa propor. Chuck necessita de um companheiro, como humano, não é capaz de viver só. Ele não está maluco, está desenvolvendo mecanismos de sobrevivência de sua saúde mental.

Todas essas abordagens que o diretor faz neste excelente trabalho refletem a um interesse direto de nos apresentar um personagem que representa a origem do ser humano. Somos muito vigorosos e ameaçadores num instinto de superioridade aos demais somente quando estamos nesse mundo “pseudo-real”. Conhecemos teoricamente nossa história, mas fazemos parte apenas da sociedade que usufrui da evolução da própria humanidade sobre a natureza. A partir do momento que nos deparamos com a realidade daquilo que antes era só teoria, é que entendemos o quão pequenos e fracos somos quando analisados individualmente. O pior que Chuck tinha, em meio à sua desgraça, era a solidão, não ter com quem conversar, compartilhar, discutir e propor formas de escape do local. Wilson representa-nos, nesse caso.



O outro ponto muito bem referido no longa e que envolve este mesmo interesse, é mostrar a necessidade que o personagem tinha de manter uma ligação com sua noiva. Ele, irracionalmente (ou racionalmente querendo manter sua saúde emocional), resumiu a relação que tinha com a noiva naquele relógio ganho da amada. Ela se resumira à lembranças e à um objeto sentimental. Contudo,  Kelly (Helen Hunt), representará a outra abordagem da influência da natureza na vida de Chuck. Ela era o alicerce sentimental e afetivo de sua vida, a base e segurança para viver e desenvolver-se profissionalmente com vigor. Até quando as circunstâncias eram favoráveis aos dois. Essa aparente interminável relação tinha fim, que se caracterizava quando os fatos não favoreciam à esposa. Ela, assim como ele, tem seus instintos, sua vida, que embora vivida intimamente com outra pessoa, juntas não são capazes de formar um único ser. Chuck passa mais de quatro anos se mantendo na ilha, o que faz Kelly tornar-se consciente da possível realidade de que seu noivo esteja morto. Tem que seguir em frente, viver a SUA vida. Casa-se, tem um filho.

O desfecho de todo esse drama é inesperado e genial. Chuck retorna da ilha, resgatado por um navio. Ela não considera mais sua existência. A mesma natureza que o mantinha, agora o trai. Ele regressa, mas juntos sabem que as circunstâncias da vida o fizeram tomar caminhos inesperados. Ninguém é culpado, mas não há mais como ser feliz daquela forma. Para Chuck, tanta luta pela vida o guardou uma infeliz recompensa. Ele vê-se numa encruzilhada, que inocentemente é descrita a ele por uma moradora local como sendo estradas que o levam geograficamente a demais locais. Ela não sabe, mas ele está na encruzilhada da vida, obrigado a seguir viagem e escolher qual rumo tomar.





 

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