Artigo: Cenas alternativas de Django Livre

Se vocês forem um pouco antenados, devem saber que tá pra estrear o novo filme do Tarantino, Django Livre (Django Unchained), em 2013, com a promessa que o diretor tentará revigorar ou ao menos homenagear os westerns clássicos de Sergio Leone, com a trilogia dos dólares na década de 60, do qual o queixudo se declara fã. Mesmo que você esteja dando de ombros para esse filme, tem algo muito interessante dele que vale ver.

Em meio as filmagens, vários momentos de ângulos alternativos e totalmente amadores registraram a captura de cenas de Django. E a parada ficou deveras interessante.

O mais oportuno daqui não é revelar as cenas do filme, embora seja um grande spoiler ver esse vídeo. Vale a pena conferir o que dificilmente nos esforçamos para saber sobre a montagem de cenas por trás das câmeras.

Aqui dá pra ter noção da engrenagem que é realizar uma cena, na disposição de máquinas e trilhos, na grande quantidade de gente que fica por trás das câmeras, na dificuldade que é capturar 1 segundo de cena e repeti-la várias vezes, e também é bem interessante ver o diretor trabalhando em cena, apontando seu interesse e mesmo rindo em algum momento. Percebam a dificuldade que é o trabalho de montagem de cenas para o corte final e a importância do som ambiente, que no vídeo encontra-se obviamente ausente.

Esse filme não é o melhor exemplo de grandiosidade produtiva por trás das câmeras, mas o que tá valendo aqui é a boa oportunidade de ver algumas cenas em pré-produção:

Crítica: Rocky - Um Lutador

A aparente redundância intitulada em Rocky – Um Lutador (Rocky, 1976) descreve muito mais que um pugilista. Este lutador não se concentra em músculos, todavia em sua personalidade. Construído sob pouco cérebro, muito músculo e um grande coração, o personagem de Stallone é um exemplo de brilhantismo em sua construção, que revela a visão magistral do próprio ator para abordar o drama de Rocky com um sentimentalismo sem igual.

Este sentimentalismo, o qual pode ser facilmente bem ou mal encarado, é o fator central da história do filme. Ao passo de que muitos podem considerar este exemplar voltado em demasia ao drama, à centralização da pena sobre a dor física e principalmente social do personagem, percebemos momentos singulares que comprovam o merecimento da fama e premiações a que o filme e o ator alcançaram.

Escrito por Sylvester Stallone, esta história e este personagem confundem-se à biografia do ator. Sobre este ponto, consideramos, portanto, que a sua atuação não se dá somente em encenar, mas sim em viver e provar à todos a sua contestada capacidade criativa e cênica. Como ator, Stallone teve de passar pelas adversidades mais cruéis para provar sua capacidade, enfrentando família, péssimas condições financeiras e a ignorância de produtores para o seu possível talento; cenário este que foi totalmente alterado quando o ator conseguiu vender seu roteiro sob a condição única de representar o personagem.

Estas dificuldades dramáticas do ator fazem semelhança à abordagem sobre Rocky. Na cena inicial percebemos um primeiro foco à uma imagem religiosa, que remete à perseverança do lutador; por conseguinte um local sujo, mal preparado, que aponta a má condição de sua carreira e, por último, uma torcida contra a sua vitória nos ringues, a qual quer ressaltar sua incapacidade.

A genialidade do filme está em absorver a dramaticidade do personagem como foco, excluindo a utilização de inúmeras cenas que possam caracterizar um filme esportista. Dessa forma, tem-se apenas duas cenas de luta: a inicial e a de desfecho. Sem amizades, Rocky despeja em seu animal de estimação uma fé demasiadamente mal controlada: “Se você soubesse cantar ou dançar, eu não estaria nessa roubada”.

Nesse sentido, em todo momento ele se intitula como um ignorante e burro, fadado a trocar socos com a vida como se ela fosse pedir perdão à suas más escolhas. Rocky é um diamante que ele mesmo não sabe como lapidar, e as vezes deixa a entender que não quer mesmo encarar os obstáculos dentro e fora dos ringues com muita seriedade. Com as más escolhas que obtém, ele sabe que o verdadeiro nocaute da sua vida suburbana acontecerá em questão de tempo.



Rocky sabe o que constrói uma pessoa campeã, sabe o que constrói um verdadeiro lutador, aquele que deve estar dentro de cada um de nós para duelar com os problemas naturais da vida. Percebemos, em sua caracterização, que esta luta é interna – e nem por isso fácil –, e que a vitória se dá na vontade em agredir nossos maiores medos e indiferenças. Ele está como está pela sua indiferença com os adversários que busca alimentar ao invés de combater, e é por isso que ele se sente ofendido pelo seu treinador quando o seu guarda volume é passado a uma nova promessa. Rocky queria que tudo continuasse como estava, num ciclo de derrotas, mas assim percebe que atitudes devem ser tomadas.

Pugilista de segunda mão, o personagem submete-se a rendimentos extras como agiota, fazendo cobranças à terceiros com a afronta de sua força física, mesmo que ele não tenha coragem de bater nos devedores, quando isso se faz necessário.

A luta de Rocky começa com a oportunidade de enfrentar Apollo Creed, um pugilista respeitado que o desafia sob o interesse de enaltecer sua imagem à semelhança dos EUA como terra da oportunidade (I Want You!). Assim aborda-se também a soberba como fator negativo na personalidade de um lutador.

A partir daí diferentes elementos agregam a nova visão do lutador: Ele toma coragem para conquistar Adrian, irmã de um amigo, e também desenvolve uma relação mais séria com seu treinador.

Rocky – Um Lutador trata com excelente olhar crítico ao destino de sua jornada, e vemos um embate entre a arrogância de um pugilista político que acredita derrubar seu adversário em apenas três rounds, contra a luta interna de Rocky, que se consideraria um vencedor se apenas levasse a luta para o último round, o que resume a ideia de que ele não quer ser ganhador da luta, e sim vencedor de si, onde a conquista do 15º round prova a força de sua luta em ir até o fim.

Entendemos, dessa forma, o contexto e a importância de Rocky subir as escadas, obviamente remetidas ao alcance de um objetivo, degrau a degrau. Contudo é mais interessante ainda perceber que ele não tem fôlego para subi-la na primeira tentativa. Ele só conquista o topo da escadaria do Palácio da Justiça após ser considerado um real lutador, e com certeza este fato passa longe de ser uma coincidência.



Tecnicamente, temos em Rocky – Um Lutador, um exemplar de excelência. As mãos viciadas em movimentos típicos de um lutador, mesmo em momentos fora dos ringues, mostram um detalhe interessante ao personagem. O gueto, local que vive, sua marginalização e a escolha por filmagens noturnas, representam bem a tristeza e o isolamento dele. Entre a transposição da história de Rocky, temos músicas que compõem uma trilha sonora de fácil elogio, abordando principalmente na cena de treinamento do personagem um casamento perfeito para a sensação de busca de objetivo a que ele se insere.
Rocky – Um Lutador seria, não fosse uma abordagem rara de construção de personagem, um filme voltado ao sensacionalismo, ao drama pouco embasado de um mero filme esportivo. Rocky revela-se, contudo, como um exemplar único de conquista, de coragem e honra a princípios. Uma conquista que não precisa ser exteriorizada em títulos e cinturões. Ainda que vencedor do Oscar de Melhor Filme, Stallone já teria provado sua luta a si, o que com certeza para ele valeu mais que a importância que concretizou a sétima arte.


Destaque sonoro:





Artigo: Cenas Emocionantes

Tem certos momentos num filme que a barreira entre ficção e realidade realmente deixa de existir. Se somos capazes de nos comover com a história de um personagem fictício diante de uma 'mera' encenação, é porque a sensação de realidade foi atingida.

Chegar neste nível de realismo é uma tarefa complexa, mas o árduo trabalho propõe uma recompensa eterna e uma gratidão imensa para a vida de cada cinéfilo. Abaixo um vídeo que contempla 50 cenas chamadas de "cortar o coração".

É quando a magia do cinema encontra a realidade e o coração de seu espectador. Ao deleite:


 

Artigo: Sobre a urgência para assistir um filme


Não sei vocês, mas eu não me obrigo a ver nenhum filme com alguma meta de tempo. É muito comum te acharem um alienígena, por exemplo, por não ter assistido Matrix. Eu nunca vi Matrix. O lance é que tem filme que é tão falado e tão comentado que todo mundo praticamente acha que tu TENS que ver o bendito filme, passa a ser uma obrigação e não um exercício de cinema.

Mas eu tenho algo a dizer a essas pessoas: Sentem-se, coloquem o cotovelo posicionado no joelho, abaixem a cabeça e a descansem sobre o seu punho. Vamos pensar.

Um filme nada mais é que uma leitura, uma representação de uma história nova ou recontada, isto é, uma análise parada no tempo acerca de um assunto. Isto quer dizer, meu caro, que um filme se imortaliza tal qual como foi feito, naquele mesmo ano de sua produção. Assisti-lo no seu lançamento ou 20 anos depois será a mesma coisa. O que pouca gente faz é posicionar sua percepção para a época da realização da obra, e ainda acha que está certo. Por isso, se você algum dia viu Frankenstein (1931), vai entender que ele dá de sova numa porrada de filme muito lindinho de hoje em dia. Mas se você não viu, não vá correndo assistir, espere que o seu tempo virá.

Algo que me chama muito a atenção quando vou assistir um filme, é de que eles possuem vida. Sim, vida. Um filme deixa de ser uma simples projeção audiovisual quando ele tem o poder de mexer com o espectador, de encantá-lo, de emocioná-lo e, mais importante, de mudá-lo. Podemos mudar pensamentos, escolher uma profissão, amar um novo animal, respeitar mais o próximo, ter mais raiva do mundo; tudo unicamente proporcionado num filme e o nível de imersão e de conquista que ele alcança em nós. Dessa forma entendo uma película, algo que tem muita alma, guardado para um momento especial que iremos assisti-lo.

Assim, entenda: Assistir um filme com pressa unicamente por obrigação é um erro que pode nunca mais ser corrigido. Espere o momento certo para assistir um filme, espere anos, décadas. Um dia você estará pronto para assisti-lo, e o filme se encarregará de destacar-se na prateleira para você.

Maximize a sensação de um filme para entender melhor a mensagem e a capacidade produtiva da obra, dessa forma você será mais crítico, mais analítico e dará razão para a sua paixão por um filme. Afinal, é muito diferente você surpreendentemente amar um filme e amar um filme que teve que assistir porque todo mundo estava falando bem.

Teria sido melhor assistir o filme do Pelé.

Claro, se você acompanha a obra antes da produção e está imerso na imaginação da história, assista sem medo, você tirará dele o maior proveito. Mas entenda: nunca verás todos os filmes do mundo, e com certeza sua lista de filmes assistidos não conta com várias pérolas cinematográficas. Então, meu caro, faça o seu cinema, curta a sua linguagem, os seus diretores, atores, personagens, assista por país, por gênero, por ano, por movimento, por posição política, pela sua religião, etc. Mas nunca faça seu cinema pautado na urgência de ver um filme porque precisas ver. Só veja O Poderoso Chefão quando quiseres. Só veja Titanic se te der vontade. Esses dias eu vi Ghost e Lagoa Azul pela primeira vez na vida. E é só.

Crítica: Os Outros Caras


A cidade precisa de heróis?

Danson e Highsmith são os policiais durões, que colocam ordem na cidade, como Capitães Nascimento em Nova Iorque, eles usam todo o repertório a disposição para servir a corporação. Bom, não só isso, também para dar coletivas de imprensa como estrelas, ter affair com Kim Kardashian, além de se mostrarem como a supremacia incontestável no ambiente de trabalho.

Os Outros Caras (The Other Guys, 2010) faz a comédia mais absurda e mais pertinente, porque os durões se suicidam de forma hilária, ao som de My Hero, do Foo Fighters - “there goes my hero” - e se foram mesmo. Isso abre espaço para os policiais que não fazem parte do repertório de filmes de policiais.

Do outro lado da masculinidade, acontece uma discussão nonsense entre Terry (Mark Wahlberg) e Gamble (Will Ferrel) sobre a hipótese do primeiro ser um leão e o segundo um atum, que seria comido de qualquer forma, porque Terry iria contra a cadeia alimentar para  se alimentar de Gamble, que produz um som afeminado quando mija.

Um corte brutal após essa cena leva ao mercado financeiro, onde uma empresa está abrindo capital na bolsa de valores, e a presidente recebe a notícia naquele mesmo momento de que perdeu 32 bilhões de dólares.

Mas a graça do filme está nos momentos que aparentemente não tem sentido, o diretor e roteirista constrói duas tramas paralelas sobre duas farsas distantes, mas parecidas.

A empresa que precisa mostrar ser o que não é, em meio à crise financeira, e os policiais que tentam ser os heróis que não são. Na verdade Terry quer, enquanto Gamble se pergunta : “pra que heróis, se vivemos numa cidade de nove milhões de habitantes conscientes, cada um fazendo a sua parte?”.



Aí está a graça, o caso a ser resolvido, que irá transformá-los em heróis é, a princípio, licenças ilegais para construção, Terry pergunta o tempo todo sobre a conexão com cartéis, trafico de órgãos, etc, mas não tem nada tão heroico assim.

No fim das contas o filme é uma brincadeira com a estética dos filmes pré-crise, onde policiais durões brigavam com pequenos vilões e as empresas grandes demonstravam o futuro certo através de gráficos ascendentes. Em resumo: ações em alta, carros beberrões e a certeza de um futuro melhor, ou não. 


Crítica: Os Infratores


John Hillcoat trilha em seus três únicos filmes uma notória ascensão. Em A Proposta (The Proposition, 2005), é reconhecido o talento que o diretor australiano inaugura em seu primeiro filme. Realizado com seriedade, temos um faroeste-moderno que apresenta um filme falho em muitos pontos, mas promissor no ponto de vista da direção. A Estrada (The Road, 2009), confirma a expectativa e sela no currículo do diretor um longa grandioso, um filme-cinema com alma em suas execuções, bem cuidado em fotografia, direção, enredo e boa escolha de atores. Longe de ser um blockbuster, A Estrada contempla-se facilmente como um raro bom filme apocalíptico, de visão honesta e com interesse maior em convencer do que em entreter.

Seu terceiro filme, Os Infratores (Lawless, 2012), sobe mais um degrau na escada qualitativa do diretor. Confirmamos neste ato a grande eficiência em todos os aspectos de um grande filme. Mesmo tratando de um tema já revisto muitas vezes no cinema – e com sucesso – e baseado em uma obra literária, temos aqui mais um grande exemplar a respeito da Lei Seca dos anos 30 nos Estados Unidos.

O que dá uma característica mais singular, no entanto, é mesclar o gênero gângster com um western caipira. Em épocas de Al Capone, estamos acostumados a ver as grandes cidades enaltecendo mafiosos como Deuses, com relevâncias pomposas em todos os detalhamentos de sua história. Temos um gângster muito temido, uma grande cidade, muito dinheiro e um poderoso e incorruptível chefe de Estado. Muito pouco disso faz parte em Os Infratores.

A trama concentra-se, assim, na história dos irmãos Bondurant, foras-da-lei iniciantes e vendedores de bebida alcoólica neste período norte-americano. Temos personagens amadores, embora corajosos e cheios de histórias de invencibilidade para contar. Este ponto é muito interessante e mostra por um ângulo diferenciado a situação política da época, até de como a população encarava estes infratores como ídolos, enaltecidos inclusive pelo cinema e presenteados por um glamour gratuito.

Os Bondurant são tidos como machões em sua pequena cidade, quem sabe uma pequena vila, de trejeitos caipiras e onde costumes do interior ainda imperam nas casas e igrejas do vilarejo. Dentre os irmãos, a história foca em Jack (Shia LaBeouf), o mais tímido e desencorajado dos três, e o qual será motivo para grande parte argumentativa para o desenrolar do filme. Entendemos, assim, um bom resumo da moral deste personagem na cena que inicia o filme.



Jack é incapaz de matar um porco, fato que retrata a fama com seus irmãos de sua incapacidade de ser sanguinário, impiedoso. Ele será posto a prova para garantir que seu lugar nesta força bruta esteja consolidado. Com suas vitórias, é muito válido também entender o meio que envolve a conquista de um infrator, ao passo de que ele não sabe ao certo o que fazer com sua recompensa. Dessa forma, compreendemos o quão bem retratada é a sua personalidade: na aquisição de um carro mais potente, na prepotência ao gabar-se aos irmãos, na compra de um vestido e até na bem-humorada e atrapalhada compra de seu primeiro sobretudo, que, acredita ele, o selaria como um gângster.

Muito envolvente, o que talvez mais chame a atenção em Os Infratores seja mesmo a composição de elementos certeiros no filme. Talvez a história não chame muita atenção devido ao tema recorrente – embora, repito, com filmes excelentes –, ainda que busque não cair no lugar comum e tente destacá-lo por outro olhar, sem repetir sequer uma mesma Chicago. Porém é interessante perceber em claras cenas o destaque à uma polícia corrompida e um humor autossuficiente para rir de si mesmo, por mais íntima que seja a piada. Tem-se direção de arte e fotografia muito eficientes, de cenas respeitosas, bons travelings mostrando um belo passeio de câmera e apresentando a linda paisagem rural do longa.

Uma trilha sonora hábil também impõe seu interesse maior: músicas alegres e com trejeitos marcantes denotam um filme harmonioso, sem uma pegada tão séria ou que denote uma intenção de estrelato. Com isso, percebemos um áudio agradabilíssimo, de fácil acesso para uma plateia mais abrangente, ainda que marcado por canções típicas do gênero.

O filme não merece, no entanto, ser creditado somente ao diretor John Hillcoat. Ainda que seja dele também essa virtude, um elenco cheio de boas atuações garante fácil a boa execução e interpretação de várias cenas. Além de Shia Labeouf, estão no filme: Tom Hardy, Guy Pearce, Jessica Chastain e Gary Oldman.



Como marca do gênero, a violência impõe-se onipotente em todas as oportunidades em que tem para atuar. Não solitária, ela é retratada de modo seco, e é possível perceber como muitas cenas melhoram com o aumento da violência e o interesse em mostrá-la de perto, quando possível seguida de muito sangue.

Com um interesse sincero, talvez possamos entender neste terceiro filme do diretor uma alternativa oportuna para apreciar um cinema com mais alma, retratando um dos melhores temas e gêneros do cinema com um olhar mais despojado e ao mesmo tempo arriscado. Os Infratores é um filme com cenas típicas de grandes diretores e tomadas envolventes, e em poucos minutos nos faz acreditar que teremos cenas bem trabalhadas, honestas em entregar em tela algo único e com a rara qualidade que se costuma querer encontrar onde nada se promete.


Destaque sonoro:




Crítica: Intocáveis

Com uma competência exagerada, Intocáveis (Intouchables, 2012) desmonta várias certezas e pensamentos que circundam a sétima arte. Não foi feito para ser o melhor filme da década, mas atingiu resultados que chamam a atenção pela capacidade de ser simples, de retratar sua história sem cair na monotonia e se tornar piegas.

De modo mais abrangente, é perceptível e ao mesmo tempo muito prazeroso descobrir que o mundo pode, mesmo que raramente, voltar toda a sua atenção cinematográfica para um longa-metragem que não seja norte-americano. Pode ser um a cada dez anos, mas isso ainda acontece. Com sobra de argumentos, podemos entender como e por que este filme merece tamanha reverência. Entendemos inicialmente, que qualquer gênero cinematográfico pode ser bem realizado em qualquer nação, por menos relevância que ela tenha. Contudo, às vezes o maior problema é vender essa história ao mundo, conquistar diferentes públicos acostumados a linguagens e técnicas das mais diversas. Esta barreira simplesmente inexiste no filme, que atinge com muita simplicidade qualquer tipo de espectador, e este é um ponto chave da força contida no filme.

Por conseguinte, sabemos que a França não é um país cujo currículo cinematográfico discorre uma avantajada lista de boas comédias. Viciados nas produções americanas, certamente cada espectador termina o filme duvidando da origem do próprio; afinal, isso é mesmo um filme francês ou apenas se passa na França?

A escolha pelos poderes narrativos e cômicos são fatores que merecem destaque: em nenhum momento o filme quer nos comover, nos abalar e nos emocionar. As situações dramáticas por si só se encarregam de preencher o filme com cenas que contém um apelo emocional mais aguçado e, mesmo sendo uma comédia, nunca esquecemos que por trás de cada gargalhada dos personagens há sempre uma ferida não curada. É de tom magistral, também, construir essa história ponto a ponto fazendo-nos perceber que aqueles sorrisos são uma sábia alternativa para que os personagens centrais encontrem maiores razões para viver.

Arriscando-se numa história bem capaz de ser um melodrama banal, a missão de Intocáveis não era das mais fáceis. Tornar-se um filme respeitado contando a relação de um negro marginalizado pela sociedade e um branco rico e mostrar suas diferenças. Realmente, muito arriscado. Driss (Omar Sy) é um negro cheio de problemas sociais e financeiros, que encontra Phillipe (François Cluzet), um branco rico e tetraplégico. O absurdo contraste social entre eles aproxima-os pela oportunidade de Driss cuidar de Phillipe, e temos então uma relação de amizade a ser desenvolvida no filme.



Não, o filme não quer fazer você chorar com essa história, ele quer te fazer rir, pensar que estes problemas são próprios da vida, que ela tem seu rumo próprio e nós não mudamos suas maiores regras. Encurtando a história, mais vale sorrir ao que ainda nos quer sorrir do que chorar àquilo que nos quer afundar. Driss, com um carisma incomparável, jamais quer a riqueza de Phillipe, senão somente alguns pequenos prazeres que para ele valem à pena. Esta questão é facilmente percebida no contraste e modo como as banheiras são demonstradas no filme. Em sua casa, cheia de problemas e bagunçada, as crianças desmontam a boa experiência que ele queria encontrar ao tomar banho. Em contraponto, os olhos surpresos e admirados de Driss ao encontrar a banheira na casa de Phillippe, mostram com uma câmera lenta e um plano bem aberto uma banheira linda, sem barulhos e centralizada à cena, destacando-a em sua importância.

Do outro lado, Phillippe é respeitado continuamente por Driss a cada momento que nós, espectadores, consideramos que ele está sendo ofendido. Driss não tem pena, não tem compaixão, e esta qualidade é o que faz Phillippe considerar seu amigo-funcionário uma pessoa única em sua vida.

Com muito humor-negro de qualidade, a comédia pronta estabelecida nas cenas de cuidado de Driss à Phillippe torna-se impactante pelos trejeitos simples com que são narradas, seja o telefone que Phillippe não pode atender, a carta que ele não consegue abrir e a incapacidade de se locomover, assim como o espetáculo da árvore e o concerto em seu aniversário.

Sem nenhum esforço, esta história, ao seu fim, saúda à vida como uma alternativa de encontrar a felicidade, rindo de si mesmo e aproveitando-a em suas oportunidades. Somos convidados a rir a toda hora, encontrando felicidade e ao mesmo tempo entendendo que elas não são plenas nas vidas dos personagens.

Sábia e com um apuro técnico também virtuoso, a trilha sonora composta unicamente por músicas clássicas (obviamente remetidas ao favorecimento financeiro de Phillippe), são envolventes e bem aplicadas. É através desta condição cultural sobre música e arte, todavia, que encontramos cenas magníficas carregadas de sarcasmo e ironia em suas aplicações.

Este é um filme raro, que encontra a dose certa em tudo que nele se aplica. Uma comédia inovadora e também com senso crítico, um drama bem controlado e conciso em seu objetivo, e uma história central preocupada em não carregar sua importância nas cenas de desfecho, e sim fazer de cada cena um ponto importante e profundo à moral de sua história.



Omar Sy, no papel de Driss, vive cenas memoráveis, executadas com grande felicidade e naturalidade que nos convidam a revê-las. Por outro lado, a dificultosa missão de François Cluzet também é muito bem executada somente com expressões faciais, devido à incapacidade de locomoção de seu personagem.

Dirigido por Nakache e Eric Toledano, Intocáveis revive um gênero que vem sendo desgastado no cinema. Demonstra que para uma boa comédia surgir é necessário primeiramente um interesse honesto em se fazer comédia, arrincando-se a tornarem-se filmes como este, em que o único momento triste é ver os créditos finais.


Destaque sonoro:





Crítica: Tiranossauro

Em um momento emotivo e inconsequente, podemos dizer que os problemas transpõem-se nus à nossa face. Não é. Os problemas escondem-se em diversas mentiras tratadas cuidadosamente para que não sejam escancaradas por nós ou por alguém, nem a nós e nem a ninguém. Não é atual esta observância de que os relacionamentos de qualquer origem escondam muito e revelem pouco da essência das pessoas. O que se quer dizer: O que chega ao nosso conhecimento é muito menor e menos importante do que aquilo que mantemos em segredo.

Temos segredos e temos problemas. O ponto chave da discussão promovida em Tiranossauro (Tyrannosaur, 2011) é discutir aquilo que existe, mas pouco se vê. Como centro do interesse narrativo, a ideia é despir qualquer possível máscara que esconda a origem de seus personagens, e tentar apresentar com profundidade como problemas de convivência e tudo que seja de grande abrangência no sentido de entendimento a interpretação da vida são maiores do que aquilo que enxergamos.

Num cotidiano qualquer, sem especificar região ou ser tendencioso, é muito possível sortear duas pessoas e encontrar nelas pontos antagônicos que evidenciem uma dificuldade de interpretar e encarar os problemas da vida. Sem necessitar de muita sorte, isto ocorre facilmente. Essas duas pessoas são, neste filme, Joseph (Peter Mullan) e Hannah (Olivia Colman).

Sem muita filosofia, tomemos como tradução da vida o fato de que as pessoas dificilmente são capazes de concordar, aplicar e realizar com total sucesso aquilo que entendem como verdade absoluta sobre suas existências. Deste ponto parte uma ideia interessantemente provocativa no filme: Joseph, um homem de meia-idade, sisudo, fechado e intrigante, mostra-nos com clareza que sua felicidade perdeu-se em algum ponto que ele descrê em alcançar. Um personagem intrigante, que em cada cena constrói um pensamento induzido a perguntas óbvias: De onde originam as suas grosserias e qual o motivo que ele daria em tamanho desgosto à tudo?

Como obra divina – e não por acaso – surge a figura de Hannah. Seus comportamentos são firmes, a primeira vista, coerentes e bem analisados. Hannah é o oposto de Joseph, e sua segurança sobre suas verdades é tamanha que se sente encorajada a doar-lhe alguns conselhos.

Sem perder o foco, o que o filme quer é ser objetivo quanto à ideia que pretende apresentar. Não mais que isso, Tiranossauro é um filme de ideia única, narrada com coragem para transpor um pensamento oportuno ao problema social do homem. As mãos de uma mãe desejam empurrar mais que um filho no balanço, uma esposa quer preencher mais que um espaço na cama, um padre quer dar muito mais do que um simples sermão e um playboy quer algo além do que a companhia de um cachorro.

Atento, Tiranossauro não se perde ao revelar pausadamente cada informação da trama. Joseph é misterioso, um cara certamente atacado com um pré-conceito sobre suas atitudes. O sofrimento que Joseph causa nos demais sempre será, em seu ponto-de-vista, menor do que os problemas que a vida vem entregar-lhe todos os dias.



Aparentemente lento, o filme fecha-se numa narrativa calma, contemplativa, monótona – talvez – e anda a seu ritmo rumo a provocar questionamentos quanto às escolhas finais de Joseph e Hannah. A forma crua como Tiranossauro quer analisar a vida é transpassada em uma oportuna fotografia triste, de cores mortas, sem luz. Além de personagens claramente imersos em problemas e não sorridentes, o sol não aparece, uma ave nunca é filmada e a cidade em que vivem não parece existir ninguém. Sequer entra cliente na loja de Hannah. Não há, finalmente, oportunidade para momentos felizes, e nenhuma trilha sonora é capaz de quebrar essa melancolia.

Hannah não é o que aparentava ser para Joseph, ela sabe que por trás de suas palavras escondem-se verdades não reveladas, medos e mentiras que ela é incapaz de enfrentar. Opostos em suas opiniões, Joseph e Hannah são como atores na vida, romanceando problemas, pintando tristezas e sorrindo pela honra de suas maiores incertezas. Suas lacunas sociais, fisiológicas e mentais são provocadas a preencher-se pelo destino, como uma saída para suas felicidades. Joseph e Hannah detêm as duas únicas respostas que o homem encontrou sobre si. Ela descobre-se violenta ao modo de Joseph, e ele se vê pronto para semear uma nova ideia.




Crítica: O Abrigo

No contexto atual, no qual a insegurança e a falta de discernimento sobre os múltiplos medos e atentados rondam a nossa sociedade e nossas casas, o filme O Abrigo (Take Shelter, 2011) é uma análise bastante aguda e subjetiva dessa situação.

Curtis (Michael Shannon), tem um emprego regular, uma esposa bela e amorosa (Jessica Chastain), que dedica todos os seus esforços ao marido e a filha. Inicialmente aparece a figura da família tradicional em meio a uma pequena cidade dos Estados Unidos, isso dá ao espectador uma breve sensação de tranquilidade.

Mas Curtis aos poucos começa a sentir medo; visões de uma tempestade avassaladora, raios e trovoadas que surgem e desaparecem, gotas densas e oleosas, pesadelos brutais com as pessoas mais próximas.

Seria muito difícil ficar indiferente a todos esses sinais, Curtis precisa proteger a sua família, afinal de contas a pequena cidade já foi realmente atingida por tempestades e tornados. 

A reação é fazer uma grande reforma no abrigo contra tempestades, um lugar protegido, embaixo do solo, comum nas casas daquela região. Os sinais são cada vez mais claros. Essa tempestade será avassaladora e mortal, talvez dure muito tempo, talvez traga gases mortais da estratosfera, talvez - O ABRIGO precisa ser reformado!

Logo que a reação de Curtis em relação ao medo se torna descomunal perante os fatos, ele percebe que talvez os sinais, a insegurança e o medo, não sejam algo exterior, mas algo de errado com a sua própria mente.

Nesse ponto se torna obrigatório ressaltar a atuação magistral de Shannon, lidando com o contraditório da natureza humana, os medos privados, ameaças externas, relacionamento, trabalho. Ele expõe isso de forma bastante subjetiva e contundente, auxiliado pela narrativa e a direção (Jeff Nichols), que não simplificam o personagem, nem as situações.

Mesmo buscando ajuda de especialistas, as circunstâncias pioram, os sinais e o medo são crescentes e as reações cada vez mais instintivas e irracionais. A narrativa cresce com esses conflitos, assim como as atuações, os nuances, como o relacionamento com a filha surda e o clima interiorano da cidade se contrapõe ao estado interno de Curtis de forma excelente.



Por fim, é interessante analisar o filme dentro do contexto atual, onde o medo e a insegurança são figuras de retórica utilizadas por todos, os economistas exaltam o medo do mercado, os governos alardeiam o colapso do sistema, do desemprego, de ameaça de programas nucleares, a mídia expõe assassinatos, estupros, catástrofes ambientais. Como deve o pai de família se portar perante tudo isso? Até onde a reação normal faz realmente sentido?

O Abrigo talvez não seja uma resposta tão incoerente quanto possa parecer.


 

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