Crítica: Tiranossauro

Em um momento emotivo e inconsequente, podemos dizer que os problemas transpõem-se nus à nossa face. Não é. Os problemas escondem-se em diversas mentiras tratadas cuidadosamente para que não sejam escancaradas por nós ou por alguém, nem a nós e nem a ninguém. Não é atual esta observância de que os relacionamentos de qualquer origem escondam muito e revelem pouco da essência das pessoas. O que se quer dizer: O que chega ao nosso conhecimento é muito menor e menos importante do que aquilo que mantemos em segredo.

Temos segredos e temos problemas. O ponto chave da discussão promovida em Tiranossauro (Tyrannosaur, 2011) é discutir aquilo que existe, mas pouco se vê. Como centro do interesse narrativo, a ideia é despir qualquer possível máscara que esconda a origem de seus personagens, e tentar apresentar com profundidade como problemas de convivência e tudo que seja de grande abrangência no sentido de entendimento a interpretação da vida são maiores do que aquilo que enxergamos.

Num cotidiano qualquer, sem especificar região ou ser tendencioso, é muito possível sortear duas pessoas e encontrar nelas pontos antagônicos que evidenciem uma dificuldade de interpretar e encarar os problemas da vida. Sem necessitar de muita sorte, isto ocorre facilmente. Essas duas pessoas são, neste filme, Joseph (Peter Mullan) e Hannah (Olivia Colman).

Sem muita filosofia, tomemos como tradução da vida o fato de que as pessoas dificilmente são capazes de concordar, aplicar e realizar com total sucesso aquilo que entendem como verdade absoluta sobre suas existências. Deste ponto parte uma ideia interessantemente provocativa no filme: Joseph, um homem de meia-idade, sisudo, fechado e intrigante, mostra-nos com clareza que sua felicidade perdeu-se em algum ponto que ele descrê em alcançar. Um personagem intrigante, que em cada cena constrói um pensamento induzido a perguntas óbvias: De onde originam as suas grosserias e qual o motivo que ele daria em tamanho desgosto à tudo?

Como obra divina – e não por acaso – surge a figura de Hannah. Seus comportamentos são firmes, a primeira vista, coerentes e bem analisados. Hannah é o oposto de Joseph, e sua segurança sobre suas verdades é tamanha que se sente encorajada a doar-lhe alguns conselhos.

Sem perder o foco, o que o filme quer é ser objetivo quanto à ideia que pretende apresentar. Não mais que isso, Tiranossauro é um filme de ideia única, narrada com coragem para transpor um pensamento oportuno ao problema social do homem. As mãos de uma mãe desejam empurrar mais que um filho no balanço, uma esposa quer preencher mais que um espaço na cama, um padre quer dar muito mais do que um simples sermão e um playboy quer algo além do que a companhia de um cachorro.

Atento, Tiranossauro não se perde ao revelar pausadamente cada informação da trama. Joseph é misterioso, um cara certamente atacado com um pré-conceito sobre suas atitudes. O sofrimento que Joseph causa nos demais sempre será, em seu ponto-de-vista, menor do que os problemas que a vida vem entregar-lhe todos os dias.



Aparentemente lento, o filme fecha-se numa narrativa calma, contemplativa, monótona – talvez – e anda a seu ritmo rumo a provocar questionamentos quanto às escolhas finais de Joseph e Hannah. A forma crua como Tiranossauro quer analisar a vida é transpassada em uma oportuna fotografia triste, de cores mortas, sem luz. Além de personagens claramente imersos em problemas e não sorridentes, o sol não aparece, uma ave nunca é filmada e a cidade em que vivem não parece existir ninguém. Sequer entra cliente na loja de Hannah. Não há, finalmente, oportunidade para momentos felizes, e nenhuma trilha sonora é capaz de quebrar essa melancolia.

Hannah não é o que aparentava ser para Joseph, ela sabe que por trás de suas palavras escondem-se verdades não reveladas, medos e mentiras que ela é incapaz de enfrentar. Opostos em suas opiniões, Joseph e Hannah são como atores na vida, romanceando problemas, pintando tristezas e sorrindo pela honra de suas maiores incertezas. Suas lacunas sociais, fisiológicas e mentais são provocadas a preencher-se pelo destino, como uma saída para suas felicidades. Joseph e Hannah detêm as duas únicas respostas que o homem encontrou sobre si. Ela descobre-se violenta ao modo de Joseph, e ele se vê pronto para semear uma nova ideia.




Crítica: O Abrigo

No contexto atual, no qual a insegurança e a falta de discernimento sobre os múltiplos medos e atentados rondam a nossa sociedade e nossas casas, o filme O Abrigo (Take Shelter, 2011) é uma análise bastante aguda e subjetiva dessa situação.

Curtis (Michael Shannon), tem um emprego regular, uma esposa bela e amorosa (Jessica Chastain), que dedica todos os seus esforços ao marido e a filha. Inicialmente aparece a figura da família tradicional em meio a uma pequena cidade dos Estados Unidos, isso dá ao espectador uma breve sensação de tranquilidade.

Mas Curtis aos poucos começa a sentir medo; visões de uma tempestade avassaladora, raios e trovoadas que surgem e desaparecem, gotas densas e oleosas, pesadelos brutais com as pessoas mais próximas.

Seria muito difícil ficar indiferente a todos esses sinais, Curtis precisa proteger a sua família, afinal de contas a pequena cidade já foi realmente atingida por tempestades e tornados. 

A reação é fazer uma grande reforma no abrigo contra tempestades, um lugar protegido, embaixo do solo, comum nas casas daquela região. Os sinais são cada vez mais claros. Essa tempestade será avassaladora e mortal, talvez dure muito tempo, talvez traga gases mortais da estratosfera, talvez - O ABRIGO precisa ser reformado!

Logo que a reação de Curtis em relação ao medo se torna descomunal perante os fatos, ele percebe que talvez os sinais, a insegurança e o medo, não sejam algo exterior, mas algo de errado com a sua própria mente.

Nesse ponto se torna obrigatório ressaltar a atuação magistral de Shannon, lidando com o contraditório da natureza humana, os medos privados, ameaças externas, relacionamento, trabalho. Ele expõe isso de forma bastante subjetiva e contundente, auxiliado pela narrativa e a direção (Jeff Nichols), que não simplificam o personagem, nem as situações.

Mesmo buscando ajuda de especialistas, as circunstâncias pioram, os sinais e o medo são crescentes e as reações cada vez mais instintivas e irracionais. A narrativa cresce com esses conflitos, assim como as atuações, os nuances, como o relacionamento com a filha surda e o clima interiorano da cidade se contrapõe ao estado interno de Curtis de forma excelente.



Por fim, é interessante analisar o filme dentro do contexto atual, onde o medo e a insegurança são figuras de retórica utilizadas por todos, os economistas exaltam o medo do mercado, os governos alardeiam o colapso do sistema, do desemprego, de ameaça de programas nucleares, a mídia expõe assassinatos, estupros, catástrofes ambientais. Como deve o pai de família se portar perante tudo isso? Até onde a reação normal faz realmente sentido?

O Abrigo talvez não seja uma resposta tão incoerente quanto possa parecer.


 

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