Crítica: Rio

Sim, o filme Rio (Rio, 2011) é coerente à realidade que se observa na cidade brasileira. Neste desinteressante trabalho de animação, não há muitos elogios a fazer. É óbvia e notória a linguagem infantil adotada no longa, bem como seu superficialíssimo roteiro que caracterizam uma tentativa de se direcionar a um público de, no máximo, 10 anos de idade. Um filme definir seu público-alvo é peça-chave para a estratégia obter sucesso, mas mesmo assim cabe avaliá-lo. Rio não é o tipo de filme que merece as maiores desaprovações, ainda que óbvio e previsível, certamente consegue encher os olhos da meninada. Mesmo que sua história não passe de um protagonista bonitinho e engraçadinho, que se mete em altas aventuras na cidade maravilhosa para se desdobrar no batido final de felizes para sempre, esse blábláblá é facilmente deixado de lado, quando assistido por aqueles olhinhos inocentes e felizes na frente da TV com um Cheetos ao lado. E isso é tudo que ele pode mostrar de bom.

Contudo e entretanto, não é só a criançada que gosta de animação, isso é fato. E é aí que ele ganha suas unhadas. Ainda que seja um prato cheio para a discussão de como o estereótipo da cidade do Rio de Janeiro foi trabalhado na animação, fato é que não foge muito disso. A imagem de uma cidade é construída por quem vive nela, e soa muito contraditório se o seu povo pratica seus costumes e festeja a seu modo o ano todo, se vende como um produto de felicidade, que goza de carisma e natureza paradisíaca, para ver-se retratada com realismo e considerar-se ofendida por tais referências.

Nem cabe explicar a forma como a imagem da cidade do Rio de Janeiro é vendida. Isso seria chover no molhado. Mas as características principais estão lá, e elevadas ao terceiro grau: O Maracanã, a maravilhosa-bunda-brasileira-na-praia-de-biquíni, Copacabana lotada, o Corcovado, o Cristo Redentor, o Carnaval e seu desfile, o samba como trilha sonora, a favela, o Pão de Açúcar, o menininho negro e pobre com a camisa 10 da Seleção, toda a população parada para assistir Brasil versus Argentina na televisão e as araras, tucanos e macacos soltos pela cidade dividindo espaço com o povo. Ãhn, macacos?

É, pega mal a parte dos macacos, suas participações são absolutamente desnecessárias. Mesmo que também não existam araras e tucanos soltos na cidade do Rio com a abundância que ali se observa, estas aves encaixam-se no contexto da história envolvendo as duas araras-azuis protagonistas. Todas as outras fortes características apresentadas do Rio relevam-se, mais a fundo, uma alternativa de entreter os gringos com uma cidade que eles não estão acostumados a ver nos filmes, e que já se cansaram das referências de Nova York e Estátua da Liberdade. Assim, para os mais desavisados, reclamar que o filme “mente” ao retratar toda a cidade somente pelos seus pontos-turísticos e dizendo que a Cidade Maravilhosa é muito mais que isso (algo parecido que os brasileiros costumam dizer de si mesmos), não pensem que Paris se resume a Torre Eiffel e Arco do Triunfo, nem mesmo que a Itália é o Coliseu e a Torre de Pizza e Londres é a Tower Bridge e o Big Ben.

O gênero da animação possui a vantagem de revelar-se exagerado e impossível sem ser levado muito em consideração, afinal como todo mundo pensa, animar é tornar livre o pensamento e a possibilidade de imaginar as coisas com o exagero que, em geral, gostaríamos que fosse verdadeiro. Nesse sentido, muita coisa do longa acaba sendo relevada e acaba por não se levar muito a sério, principalmente o roteiro e a história, já que a única coisa que se vende ali é o entretenimento.

Agora, não vou mentir que depois de facilmente perceber a vibe do filme, ele tomou ar de comédia. Comédia mesmo, do tipo humor-negro. Mas não é essa a intenção do filme. Para você, mais crescidinho e que não curte a maioria das características brasilianas e é firme em sua opinião, não gostando de Carnaval nem em sua época e nem fora dela, Rio, no final, provavelmente te surpreenderá e o fará rir de maneira que nem mesmo ele quis fazer. Será a sua única salvação, rir de si mesmo – ou de seus conterrâneos.

 


Nos quesitos técnicos de animação, o trabalho do diretor brasileiro Carlos Saldanha (que foi codiretor de A Era do Gelo e Robôs), não inova nem foge da qualidade percebida nas animações atuais. De longe não é uma animação “a lá Pixar”, mas é um fator que certamente passa batido, tanto pelos produtores quando pelo público. E no quesito realismo da trama, o fato do filme ter sido feito em sua versão original dublado em inglês, sendo que se passa quase todo no Brasil (alguns singelos diálogos são falados em português-brasileiro), é também facilmente explicado, e se deve a dois fatores importantes: O filme se passa no Brasil e é dirigido por um brasileiro, mas é uma produção americana e, com isso, eles fazem o filme do jeito que querem e o que não querem é ler legendas, muito menos as crianças.

Por último e, dessa vez, menos importante, a história: Blu é uma arara azul macho que vive no Minnesota, EUA, e acha que é a última da sua espécie. Descobre que existe outra arara azul fêmea no Rio de Janeiro, é trazida ao Brasil para a procriação de sua espécie, e passam por várias dificuldades até chegarem a seu objetivo final. Mas não se iluda a esperar um final diferente, pois assim como a maioria das coisas no Brasil, tudo termina em samba. E se você não gosta de todo esse estereótipo brasileiro, ele vai te incomodar. Ah, vai. Muito.


Destaque sonoro:




Crítica: Namorados Para Sempre

Amor e ódio, início e fim. Entre os extremos se encaixam os por quês. Torna-se difícil aceitar a negação do direito de amar quando o sentimento ainda floresce. A história que dispõe-se a travestir-se de um excelente drama acaba por revelar um romance encantador. Sua preciosidade é presente devido à vasta quantidade de virtudes e grandes acertos na sua montagem, fatores não-corriqueiros que elevam-no à condição de filme para cinéfilo, passando longe de ser um programinha-pipoca-para-pombinhos-apaixonados.

[Início do parágrafo obrigatório explicativo] A situação é demasiado explícita, mas cabe explicar. Namorados Para Sempre (Blue Valentine, 2010) é um grande "pega-ratão". Com um título mais doce que açúcar, um slogan mais pegajoso que chiclete e lançado no dia dos namorados, pequenas não devem ter sido as frustrações de muitos casais ao ver o filme. Porém, é um engano certeiro, se é que se pode afirmar. [Fim do parágrafo obrigatório explicativo]

Concentrado em abordar com honestidade a realidade da maioria dos romances, sua trama sustenta-se na transposição do início de uma relação até seu término. A narrativa não linear, que alterna entre passado e presente, engrandece e alterna os sentimentos de dor e paz. Seu passado, obviamente, consiste em apresentar a origem da relação, revelando-se cativante e envolvente na história de amor entre Dean (Ryan Gosllng), o mesmo que fez outro grandioso romance, Diário de Uma Paixão (The Notebook, 2003) e Cindy (Michelle Williams). Aliás, grande virtude se dá à sua narrativa ser apresentada de forma a misturar os momentos dessa história, criando um sentimento de dúvidas frequentes com respostas imediatas, além de uma posição comparativa entre os dois momentos.

A escolha e intenção do roteirista e diretor Derek Gianfrance é narrar a queda de um romance devido à seus atos. Ao fim, não se engana quem entende que, de fato, os fins podem justificar os meios. Nos minutos introdutórios, a feição alegre de Dean brincando com aquela que futuramente seria apresentada como sua fillha não-biológica e o desgosto demasiado inserido nos olhos de Cindy, revelam o resultado e os interesses finais dessa história. Cindy, contudo, só apresenta seu primeiro sorriso à Bobby (Mike Vogel), que seria um dos pontos de desentendimento da relação.

O longa sobressai-se aos demais filmes do gênero devido à uma característica simples: retratar um romance com uma carga de sentimentos coerente, pautada numa história com nexo e capaz de não revelar antecipadamente o seu desfecho. Muito bem construída, a história demonstra-se simples, retratando e fidelizando-se à realidade de um casal comum, com seus altos e baixos, tristezas, decepções e emoções,  mas compreendendo na importância de cada cena, a necessidade de transcender as telas e emocionar o espectador. Nesse sentido, Namorados Para Sempre busca retratar o dia-a-dia do casal com uma narrativa que alterna entre passado e presente. Nestes dois momentos, apresenta-se as razões pela qual o romance se desbota, confunde-se e se perde no tempo, incapaz de manter a paixão e o interesse do início do relacionamento. Dentre outros exemplos, cabe ao cotidiano a tarefa de revelar-se o maior problema do jovem casal.

Paixão, felicidade, planos, amor, destino, acomodação, incerteza, incompreensão, desmotivação, negação, passado e realidade. A relação constitui-se em sentimentos e emoções, e demarcam a linha evolutiva ou não da história que transpõe uma alternância excessiva de razões que justificam o seu destino.




Para Dean e Cindy, cabe retratar a penalização de um sentimento de culpa. Sem maiores vilões, seus semelhantes anseios enfraquecem-se na força generalizada da desesperança que os consumiu. As forças cessam e nem mesmo o "quarto do futuro" emerge algum sentimento adormecido. É a constatação do dia-a-dia que os demonstra a nova realidade, e descobrem-se incapazes de atingir maior felicidade.

Por fim, sua qualificação romântica não coincide com uma oportunidade de acompanhar um filme "água com açúcar", do tipo que muito serve para amaciar o coração dos mais brutos. Compreende-se, no entanto, como sendo um longa pesado, com altíssimo nível de carga emocional, mas, ainda, com um interesse tão verdadeiro quanto cruel de narrar e quebrar o estereótipo de uma boa quantidade de longas que qualificam-se românticos.


Destaque sonoro:




Crítica: Paul

Paul (Paul, 2011) é uma agradável surpresa. O longa surpreende numa constante e inalterada qualidade que cativa e prende o espectador do início ao fim. Curiosamente, podemos considerar que a baixa expectativa pelo seu resultado deve ser responsável por boa parte da aceitação do público. Ao seu término, Paul certamente não deve agradar à massa, ser uma unanimidade ou, nem mesmo, um novo hiper-sucesso. Porém, sua qualidade visível deve receber os devidos méritos.

Centrado em alguns gêneros, o longa segue direcionando seu foco com grande carga de comédia. É nela que concentram-se os melhores momentos do longa. Além do humor, há uma pitada de ficção científica e uma direção mais concentrada à ação nos minutos finais. Ciente de suas limitações, Paul sobressai-se na narrativa simples, de extrema fácil compreensão, resultando num trabalho bem degustável. Mas a idade de seu público é bem definida, já que há algumas cenas de humor muito específicas, com sacadas e sátiras voltadas exclusivamente para o mundo jovem.

A existência do ser alienígena como protagonista (ou, ao menos, personagem central), certamente, é o que pode causar mais incômodo. O trabalho de animação e arte realizado no personagem Paul demonstra características não atuais, parece um trabalho de, no máximo, anos 2000. Contudo, a produção em geral do longa não deixa em nada a desejar. Aliás, considera-se como outra surpresa, pois denota um investimento e uma aposta alta de que o trabalho desse retorno. Cenas de explosão, por exemplo, resumem-se em agradável qualidade. Outro fator negativo caracteriza-se na atuação de Simon Pegg e Nick Frost, pois em nenhum momento agregam humor às cenas que, por si só, já caracterizam-se engraçadas.

Mas Paul não parece mesmo disposto à ser politicamente correto e animado à agradar à todos. É um ser descontraído e engraçado, que carrega em sátiras comparativas ao que já sabemos (ou não) sobre alienígenas. As situações controversas, neste sentido, dão um humor diferente, mais espontâneo, e, em alguns momentos, bem inesperado. Uma situação que seria bem descartável são os repetidos desmaios a que os personagens respondem quando percebem o extra-terrestre. Para um filme de comédia com a intenção de um humor mais verdadeiro, obviamente as repetidas cenas são incômodas. No resto, o longa garante  sua qualidade.



Outra característica interessante do longa é compará-lo, devido à semelhança, com algumas outras boas comédias recentes. Para quem apreciou filmes como Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead, 2004), Chumbo Grosso (Hot Fuzz, 2007) e Zumbilândia (Zombieland, 2009), Paul pode ser o caminho para mais uma grata sessão. Com um humor displicente e com boas sátiras, a ligação com a "realidade" fornece inúmeras cenas interessantes. O seu direcionamento ao público jovem, como já mencionado, é explícito, haja vista a trama em que ele está centrado. Graemme Willy e Clive Gollings são dois nerds ingleses, vão ao evento da Comic-Con e, ocasionalmente, encontram o alienígena numa auto-estrada. Resolvem levar o ser extra-terrestre consigo e fugindo da polícia, que os procura. Dessa forma, o filme pega a estrada para conduzir praticamente todos os seus momentos no furgão dos jovens nerds.

Acerta quem imagina que o filme é "tolo", afinal, não é nenhum humor profundo, mas engana-se quem o considera descartável. Paul é um filme capaz de fazer seu público desconsiderar seus defeitos e apegar-se muito mais à suas virtudes, conquista facilmente cada expectador, e mostra-se disposto à apresentar um humor de qualidade. Assim, a expectativa facilmente se inverte, tornando-se esperança de se apreciar boas cenas ao decorrer do filme.


Destaque sonoro:




Crítica: Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo

A solidão é a única companhia. É do título emprestado de parachoque de caminhão que se extrai o espírito empreendido na viagem documental e sentimental do cidadão-protagonista. A facilidade de classificar e rotular a simplicidade do longa traduz a clareza com que ele tende a se comunicar com o espectador. Pouco degustável, o longa aceita sua condição de apostador, e joga suas fichas no sentimentalismo da única história linear contada pelo único personagem existente.

A narração em off escancara mais uma evidência da generalização deste ato. Sem dar nome ao personagem e exibir sequer por um momento a sua imagem, fica clara a intenção a rotulação sobre a condição apresentada no drama estrada afora. A partir deste fácil entendimento, aceita-se este protagonista como um exemplar a que se insere a sua história de vida. Os convites insistentes em acompanhar a melancolia e isolamento daquele que possivelmente não é um caminhoneiro, torna excessiva a utilização de pontos que desnorteiam a história do longa, e por vezes a dispersão opta por agir. A utilização pontual de câmera na mão é a concretização da tentativa de se personalizar e garantir um tom de realismo total, por mais que a utilização desta câmera nos induza sempre a imaginá-la na mão de alguém, representando seus olhos.

Mais que um road-movie, a tática pé na estrada apresentada acaba por evidenciar a tristeza e a dor da obrigação de tal personagem a se distanciar de quem ama. Ele deixa-se interpretar, por exemplo, como uma visão realista e documental da vida dos viajantes e caminhoneiros. Ao apresentar-se quase como uma homenagem aos caminhoneiros, com óbvia trilha sonora selecionada neste sentido, tem-se o veredito de que sua intenção por vezes não é esclarecida.

Ao que cabe ao personagem, sua trajetória narrativamente dramática e insatisfeita demonstra a desilusão sobre a distância de seu amor. Nada é animador, nem o percurso obrigatório a fim de trabalho nem a sua experiência vivida no interior do nordeste brasileiro. Este amor por vezes excessivo é substituído na única possibilidade interpretativa no longa. Das primeiras contagens de dias e horas para o retorno para casa, restou o descaso com o interesse inicial. A vontade muda, a necessidade faz do protagonista um exemplo de seu erro. A traição toma a vez para retratar a necessidade de companhia do rapaz, mesmo que emergencialmente explicada por ele: "Viajo porque preciso, não volto porque te amo''. A artificialidade toma frente para representar os seus sentimentos, tudo aquilo que o tempo desbota a cor, onde sua vida perde a graça e não parece passar de gotas de orvalho artificiais em pétalas de flores de plástico.



O documentário-drama dirigido por Karim Ainouz e Marcelo Gomes em 2007 de fato tem seus defeitos como um filme convencional. Sua orientação condiz com a simples ideia e evidente escassez de recursos para a realização. Contudo, não justifica. Seria demasiado interesse buscar qualidades excepcionais num trabalho que não resume eficiência. Essa vontade de representar a vida no ardor diário de um geólogo inconsciente de seus prazeres não parece borbulhar em convencimentos. Nessa tentativa de dialogar com o expectador, nem sempre parece haver vontade de se prestar atenção na história que quer contar.




Crítica: O Cheiro do Ralo

É extensa a lista de filmes que tornam-se grandes sucessos mas, por pouco, quase nem saem do papel. Em meio à obrigação de retorno do investimento de cada obra, a incerteza sobre a realização de um trabalho e sua produção sofrem muitos questionamentos sobre a garantia de cobrir o orçamento dos investidores. Por isso, nem sempre é fácil apostar e investir numa obra a qual o seu público não está bem definido, ou ainda não é significativamente grande.

Star Wars é o maior exemplo da discrepância entre o que se imagina antes de sua realização e o que se concretiza ao término dela. Entre tantos exemplos que se pode oferecer, O Cheiro do Ralo (2006) também encaixa-se neste aspecto. Pautado num roteiro pouco convencional e focado numa comédia de nicho, este trabalho de Heitor Dhalia quase não acontece. Não se surpreende quem vê o filme e sabe que ali foi depositada grande coragem dos produtores, roteiristas e de seu diretor. Seu orçamento baixíssimo coopera para a coragem em acreditar que há público interessado neste tipo de humor.

Como um filme brasileiro, não é surpresa afirmar que o investimento é nada significativo, mas O Cheiro do Ralo consegue ter muito menos investimento. Tanto que a mobília, decoração e objetos utilizados para as filmagens não chegaram a ser comprados, são ítens particulares dos produtores da obra. Não se pode esperar uma beleza visual, filmagens inovadoras e grande trabalho de arte. Não se pode esperar nem grande trabalho de figurino. Tudo é cru, é verdadeiramente original. Quase uma filmagem documental e caseira de uma história que se passa num contexto suburbano.

A aposta se dá no personagem criado para a arriscada e boa interpretação de Selton Mello. É seu persongagem, Lourenço, que comanda todas as cenas do filme. As situações non-sense são extremamente recorrentes, e é nelas que se espera a identificação do espectador. Não há nenhum humor-gratuito, estão marcados na personalidade deste cara que nem sabe o que quer mostrar. Lourenço é um cara comum, mas misterioso. Acompanhamos o cotidiano deste rapaz, que vive de compra e venda de quinquilharias. Ele atende seus clientes na intenção de extraí-los a melhor condição financeira possível. Quer sugá-los. Em geral, estão sempre em necessidades urgentes de dinheiro e é este o trunfo que Lourenço aposta para barganhar seu lucro.

O cheiro do ralo se insere na história como uma apologia à situação destrutiva de cada cliente atendido, ao qual Lourenço também se veria posteriormente. Ele possui um banheiro com problema no ralo, que exala um odor insuportável, mas se vê incapaz de solucionar o problema. Sua vida sem amigos, sem parentes, de desleixo total e sem foco, se perde totalmente quando ele se apaixona por uma bunda. Na concepção de Lourenço, é a perfeição. Com dinheiro no bolso, se dispõe a pagar pra ver a bunda, para tocá-la. Se perde totalmente e consegue fazer de sua vida uma verdadeira merda. Vai para casa, volta ao trabalho, explora seus clientes e vai à lanchonete conversar com a dona da bunda. Não há nada mais que isso, é uma vida rotineira e sem sonho.



Sua condição de favorecimento financeiro e total exploração muda aos poucos. Seu controle e domínio se perdem. Os clientes, ao qual eram grandes motivos de piada, revertem a situação e fazem-no perder o favorecimento e o controle sobre as negociações. Lourenço vive de três motivações: a vontade de rir e ironizar a condição de vida precária de cada cliente, o desejo de comprar uma bunda e a necessidade de inalar o cheiro do ralo de seu banheiro. É neurótico extremado. Possui prazeres controversos, que gozam de comédia quando nos são apresentados. Atender os clientes e negociar com eles passa a ser um grande prazer também ao espectador. Num jogo de interesses, tudo tem o seu valor. Os vícios retratados em cena são uma boa visão da sociedade que se mostra interessada e disposta a tudo. E muito disso se mostra no filme. Há quem venda a roupa e a dignidade por droga, há quem venda uma bunda e há quem queira comprá-la, há quem se vicie no cheiro fedorento de um esgoto.

O filme é um amontoado de situações controversas e politicamente incorretas, analisadas de maneira cômica e demonstrada da forma como a sociedade não considera certa mas mesmo assim a pratica. Dispõe desta comédia non-sense muito bem trabalhada e inspirada mas certamente possui grandes críticas internas intrínsecas aos seus personagens. Neuróticos, viciados e drogrados, pessoas que vivem na periferia do politicamente correto, e que nesta situação demonstram um pouco do que somos. Lourenço é satisfeito e feliz à sua maneira, vive na merda e deposita no cheiro do ralo a sua felicidade.




 

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