Crítica: Enterrado Vivo

E da originalidade, parou só na originalidade. A premissa que parece chamar o público para o filme faz refém o próprio trabalho na sua ausência de uma direção mais envolvente. Este trabalho do iniciante diretor espanhol Rodrigo Cortés, deixa dividida a plateia que pode considerá-lo interessante e aqueles que insistem em ver que o longa não responde à todas as expectativas. De trailers iniciais com teasers realmente chamativos, Enterrado Vivo (Buried, 2010) parou na sua primeira ideia. Analiticamente, percebe-se que a direção enterra-se junto neste caixão, e limita-se na criatividade de encontrar alternativas de qualidade para a obra. É como se fosse realmente uma iniciação, em que a vontade de fazer os primeiros trabalhos fazem surgir uma grande ideia inicial, mas a falta de bagagem e experiência geralmente o faz não conseguir segurar a qualidade durante todo o tempo - ou parte dele - para garantir uma eficiência importante.

O que serve de chamativo importante no longa é a capacidade de identificação dos espectadores com a situação do protagonista Paul Conroy (Ryan Reynolds). Na ideia em que todos basicamente não desejam a ideia da morte, a agonia de manter-se vivo na situação de um cadáver torna-se algo angustiante. Para os que não se deixam convencer com ideias iniciais, é fácil imaginar que aquela situação dificilmente será somente o que parece.

A semelhança e identificação com jogos de "escape" é fácil para quem se percebe atento, e isso pode ser um ponto tanto positivo quanto negativo. Positivo pois essa situação realmente provoca o espectador a participar da situação, tentando achar saídas válidas para o caso, (primeiro ele tem um isqueiro, depois um celular, depois uma lanterna, um bilhete, e assim por diante). O lado negativo disso tudo é perceber que isso não basta para tornar o roteiro envolvente e inteligente nas conexões de ideias. Para um filme ser cativante espera-se mais ousadia e menos monotonia (embora seja entendida nesse caso) para realmente alçá-lo como um bom trabalho.

Adiante se percebe a situação apresentada para o rapaz. Descrito como um mero caminhoneiro de produtos alimentícios para soldados americanos no Iraque, ele se imagina inocente e logo se descobre numa armadilha, devendo apresentar "5 milhões de dinheiro" a um terrorista, que faz questão de o insultar como soldado americano responsável pelas tragédias sua e de seu país, como o 11 de setembro, tudo com o único meio de comunicação: um celular.



Mas essas situações estão em segundo plano, claro que deveria se ter uma explicação para o rapaz ser enterrado vivo. O que importa, mesmo, é mantê-lo dentro daquele caixote o filme todo, testando e apresentando essa situação aos espectadores. Esse é o grande ponto-falho do filme. Aliado a isso, a atuação do único ator da trama que se passa inteiramente num único ambiente, também não convence por completo. No fim, é um daqueles típicos filmes que faz as pessoas interagirem na busca de ver quem sabe melhor a resposta do enigma. E a comparação com Jogos Mortais, por exemplo, não é de todo descartada, mas o "jogo" não é por diversão, nunca mostra isso. Mais vale compará-lo a obras como "Por um fio" e "Mar Aberto", pela semelhança nas agonias de seus protagonistas.

Esse suspense claustrofóbico, porém, não se passa por ruim, embora as características negativas percebidas. É um longa que, se o interesse principal era manter o público ligado na situação, ele consegue; contudo, não convence por completo. Situações como "Por quê ele não faz isso?" e "Por quê ele não fez aquilo?" são inevitáveis, mas, no fundo, nada realmente parece nos fazer imaginar que este trabalho será lembrado por uma qualidade diferenciada e aguçada, quando muito, somente por uma lembrança, do tipo: "Lembra aquele filme do cara que fica enterrado vivo tentando fugir?".




Crítica: Náufrago

A natureza é a mesma que te mantém e que te destroi. Tudo depende das circunstâncias. Náufrago (Cast Away, 2000) dirigido pelo excelente Robert Zemeckis (Forrest Gump, De Volta Para o Futuro, Uma Cilada Para Roger Rabbit), é um filme que, sobretudo, propõe nas entrelinhas uma profunda reflexão sobre o desenvolvimento humano diante da natureza. Mesmo que esse não seja, talvez, o principal interesse do filme, (e acho muito difícil) é o que mais se destaca. Essa natureza mencionada é, digamos, a vilã da história, em dois aspectos pontuais deste trabalho. Mesmo sendo a natureza algo único, inseparável, imutável, ela é abordada no quesito da origem da fauna e flora com a intervenção do homem e, por outro lado, também é interpretada no quesito humano. O elo e a profundidade destas duas abordagens vividas dramaticamente por Chuck Noland (Tom Hanks) fará o longa ganhar sentido em sua história e também ganhar nexo com algo além, que, no caso, é a representação da trama num contexto globalizado.

Num primeiro ponto, a observar, pode-se fazer uma interpretação direta do longa com aquilo que o foco da história propõe: mostrar como nos comportamos diante das situações cômodas e incômodas, tanto física quanto mentalmente. Nesse sentido, equipará-lo à Pirâmide de Maslow (Abraham Maslow) não seria um absurdo, longe disso. Esta teoria parte da premissa que para o homem atingir seu estado de conforto supremo, ele deve atender e escalar cinco passos evolutivos, de modo que este “conforto supremo” só é alcançado com o cumprimento dos inferiores. Nisso, as cinco escalas propõe que o ser humano necessita, primeiramente, atender a necessidades básicas e fisiológicas (quanto à mantimentos), depois a necessidade de segurança (quanto à moradia, recursos, saúde e família), posteriormente à necessidade de relacionamento (amizade, relacionamentos íntimos), num quarto ponto a necessidade de autoestima (relacionada a confiança, conquistas, respeito) para que seja assim atingido o quinto ponto da escala, que é a realização pessoal (interesses pessoais de auto realização pessoal e profissional). Esta explicação didática, embora não muito conveniente para a explicação de um filme, define muito bem a situação vivida pelo personagem de Tom Hanks. Chuck nos é apresentado primeiramente como um líder de uma grande empresa de entregas de correspondências, a FedEx, é, portanto, uma pessoa segura, confiante em si, responsável pela gerência de demais pessoas e processos. Contudo, o “pulo do gato” do longa será inverter a situação deste personagem.

Chuck  é o único sobrevivente do avião que cai no Oceano Pacífico durante uma viagem em final de ano, e para solitariamente numa ilha. Ele retornará as origens humanas, lentamente descobrirá o vazio em que está inserido, e verá que as regras da sociedade em que vivia não existem mais. Assim que ele se dá conta, sua única luta é contra a morte. Essa abordagem feita por Zemeckis, se mostra muito contagiante, com aspectos de dramaticidade e alguns pontos de humor apresentados ao espectador. Mas é possível entendê-lo de forma mais profunda. Chuck está na base da pirâmide proposta por Maslow, e buscará, primeiramente, atender às necessidades de comida, para depois buscar explorar a ilha, encontrar mantimentos, desenvolver uma segurança mínima para postergar sua sobrevivência. Após conscientizar-se da nova realidade, busca, instintivamente, a atender ao seu conforto físico e mental. A ideia de fazer o personagem criar um companheiro imaginário é fantástica, muito mais interessante que a comicidade escancarada das cenas possa propor. Chuck necessita de um companheiro, como humano, não é capaz de viver só. Ele não está maluco, está desenvolvendo mecanismos de sobrevivência de sua saúde mental.

Todas essas abordagens que o diretor faz neste excelente trabalho refletem a um interesse direto de nos apresentar um personagem que representa a origem do ser humano. Somos muito vigorosos e ameaçadores num instinto de superioridade aos demais somente quando estamos nesse mundo “pseudo-real”. Conhecemos teoricamente nossa história, mas fazemos parte apenas da sociedade que usufrui da evolução da própria humanidade sobre a natureza. A partir do momento que nos deparamos com a realidade daquilo que antes era só teoria, é que entendemos o quão pequenos e fracos somos quando analisados individualmente. O pior que Chuck tinha, em meio à sua desgraça, era a solidão, não ter com quem conversar, compartilhar, discutir e propor formas de escape do local. Wilson representa-nos, nesse caso.



O outro ponto muito bem referido no longa e que envolve este mesmo interesse, é mostrar a necessidade que o personagem tinha de manter uma ligação com sua noiva. Ele, irracionalmente (ou racionalmente querendo manter sua saúde emocional), resumiu a relação que tinha com a noiva naquele relógio ganho da amada. Ela se resumira à lembranças e à um objeto sentimental. Contudo,  Kelly (Helen Hunt), representará a outra abordagem da influência da natureza na vida de Chuck. Ela era o alicerce sentimental e afetivo de sua vida, a base e segurança para viver e desenvolver-se profissionalmente com vigor. Até quando as circunstâncias eram favoráveis aos dois. Essa aparente interminável relação tinha fim, que se caracterizava quando os fatos não favoreciam à esposa. Ela, assim como ele, tem seus instintos, sua vida, que embora vivida intimamente com outra pessoa, juntas não são capazes de formar um único ser. Chuck passa mais de quatro anos se mantendo na ilha, o que faz Kelly tornar-se consciente da possível realidade de que seu noivo esteja morto. Tem que seguir em frente, viver a SUA vida. Casa-se, tem um filho.

O desfecho de todo esse drama é inesperado e genial. Chuck retorna da ilha, resgatado por um navio. Ela não considera mais sua existência. A mesma natureza que o mantinha, agora o trai. Ele regressa, mas juntos sabem que as circunstâncias da vida o fizeram tomar caminhos inesperados. Ninguém é culpado, mas não há mais como ser feliz daquela forma. Para Chuck, tanta luta pela vida o guardou uma infeliz recompensa. Ele vê-se numa encruzilhada, que inocentemente é descrita a ele por uma moradora local como sendo estradas que o levam geograficamente a demais locais. Ela não sabe, mas ele está na encruzilhada da vida, obrigado a seguir viagem e escolher qual rumo tomar.





Crítica: Gallipoli

Comecemos pelo fim: Aquela cena estática de um movimento paralisado pela força inimiga destrói o coração de qualquer cinéfilo. Você não quer (quer, sim) aceitar o seu fim, e confunde-se no turbilhão de pensamentos que o fará trocar ideias consigo mesmo, tentando encontrar os mais doces argumentos pra entender o por que das coisas. É tão chocante quanto o próprio drama do filme, ele nos constrói toda a história, envolve-nos e no fim derruba à todos, personagens e espectadores, por mais que tudo parecesse óbvio. Mas paralelo ao choque final, à confusão precoce, há o conforto do bom drama. A realidade e a ficção se misturam tão bem que é imperceptível  visualizar o que é um e o que é outro. E começam as reflexões mais abrangentes sobre o significado e a intenção daquele tipo de abordagem no longa.

Calcado numa história de guerra, a intenção geral da obra não transpira uma vontade unânime de se expressar através da própria guerra em si, ou seja, há o interesse maior e interessantíssimo de retratar a origem dos fatos, dar vida e mostrar o lado pessoal e humano dos dois personagens centrais. Só esse interesse já dá ao filme grande qualidade sobre a abordagem que ele se propõe a fazer. Não somos, portanto, “jogados” num campo de batalha nos minutos introdutórios, sem explicações de como tudo chegou àquele ponto, assim como o motivo da guerra e tudo mais. Não que desta forma fosse pior, mas cada abordagem compromete-se a se qualificar naquilo que ela arbitrariamente se propôs a fazer, e nesse caso, é dar à guerra uma visão um pouco mais humana de cada um que lá está.

Gallipoli (Gallipoli, 1981) é uma daquelas obras que já na primeira cena dão a entender que o filme valerá a pena. Archy Hamilton (muito bem interpretado por Mark Lee) é treinado pelo seu tio Jack (Bill Kerr), e sonha ser um corredor. Sonha mais pelo tio do que por si. Logo ali começam as primeiras e principais abordagens de Gallipoli: bravura, persistência, limite e principalmente patriotismo, tudo isso temperado num ar de conseqüências, que representam e movem cada ação humana, aquilo que é maior que a vida, é mais bravo que a morte e é o maior e mais benéfico alimento da alma humana: o sonho. A história se passa na Austrália ocidental, no ano de 1915, na 1ª guerra mundial, e é um dos raros filmes que representam a 1ª grande guerra. Será esta a grande idéia do filme: mostrar que em meio àquela vida interiorana humilde e pacata, mesmo com objetivos e sonhos sendo conquistados à cada competição e o talento e recordes se sobressaindo nas corridas, isso não bastava. A oportunidade de representar a pátria como aliada à Inglaterra contra os alemães e turcos foi mais forte. Isso soa melodramático demais à quem não se envolve ou não entende o espírito do filme, mas é para ser assim. Archy terá a companhia de um amigo que conheceu durante uma competição de corrida, Frank Dunne (Mel Gibson), e rumam ao recrutamento de jovens combatentes, enfrentando o sol e o deserto. Consegue alistar-se por méritos e consigo leva junto seu amigo nem tão competente assim. Eles não desejarão morrer, não desejarão matar, senão somente representar a força de seu país. Aprovados, partem à guerra sem noção do horror, munidos de coragem e adrenalina capazes de anular qualquer medo.

Talvez para alguns o filme não retrate a guerra com exatidão, tanto como uma batalha em si quanto àquilo que realmente aconteceu na 1ª guerra mundial. Com certa razão.  Porém, é importante entender Gallipoli como um filme, ainda, e seu foco em nenhum momento parece querer retratar este fato da história como a maior ênfase na trama. A perceber, sua duração de 112 minutos é fundamentada quase que exclusivamente aos acontecimentos e as abordagens dos dois personagens no pré-guerra. A história envolvendo a batalha da cidade de Galípoli, na Turquia, certamente exigiria uma explicação mais convincente e realista do caso, se assim fosse a proposta do longa escrito e dirigido pelo australiano Peter Weir. Contudo, o resumo final e direto daquilo que, em curtas linhas, representou a batalha, justifica a intenção e a relação feita entre aquilo que é um fato com a dramaticidade da história. A representatividade do fracasso e do resultado à grosso modo daquilo que ocorreu, faz o elo final a um desfecho memorável.



A comentar, ainda, a magnífica (sem hipérbole) fotografia do filme, que contempla a natureza do solo infértil da cidade onde vivem e passam, a destacar-se as cenas de caminhada nos desertos e alguns outros momentos do filme que são filmados em sentido 2D, num plano de ação horizontal, algo que futuramente ficaria muito famoso na marcante cena de Oldboy (Oldboy, 2003), sendo uma referência aos clássicos jogos de plataforma em videogames.

Certo ou errado, a guerra sempre trouxe e traz ensinamentos e aperfeiçoamentos a diversas áreas do conhecimento, que se desenvolvem devido ao desejo de superioridade sobre o inimigo. É deste avanço técnico e material mais percebido que gerações futuras tomam conhecimento e desfrutam daquilo que cada invenção pode proporcionar. Contudo, a guerra, assim como fora representado no longa, é uma escola gigantesca de ensinamentos humanitários, de sobrevivência e auto conhecimento humano, de contato com a capacidade de destruição da mente humana e sua – sempre presente – estupidez. É deste conhecimento que Archy e Frank irão compartilhar e aprender, e pagarão pela ignorância e malícia humana, sem chance de retornar e compartilhar com os familiares os maiores ensinamentos que a guerra teria lhes dado.





Crítica: Picnic na Montanha Misteriosa

Três garotas desaparecem repentinamente quando passeiam na Montanha Misteriosa. É realmente difícil comprar um filme por esta sinopse. Muitas vezes, o que se sobressai como qualidade em uma obra é simplesmente a forma como é contada. É fácil comprar uma ideia quando ela preenche e satisfaz ao interesse que temos em ver algo que se identifique com outras obras que já apreciamos. Talvez não seja sempre preciso elaborar roteiros infinitamente bem estudados, bem bolados e tramados para um final capaz de deixar o espectador boquiaberto. Em suma, vale a magia, a vivacidade e a transparência ocorrida no decorrer de sua abordagem central sobre a história em si; deve-se, sobretudo, ser cativante.

Esta não é, deixa-se claro, aquela obra a ser idolatrada, apaixonantemente capaz de fazer-nos criar uma identificação mais profunda, um elo, um carinho especial, que seja. Porém, antes de mais nada, é interessante esclarecer algo sobre o próprio título do filme. Picnic na Montanha Misteriosa é o título mais inocente que se poderia criar. Equivocado, ainda que condiga com a história. Enfim, procede, mas não vende. Nessa ocasião, mais valia optar por "A Montanha", ou algo assim. Enfim, basta.

Picnic na Montanha Misteriosa (Picnic at Hanging Rock, 1975) é um dos trabalhos iniciais da carreira do grande diretor Peter Weir, responsável pelo drama de O Show de Truman, (The Truman Show, 1998) e de Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society, 1989), pela aventura de Gallipoli (Gallipoli, 1981) e pelo investigativo A Testemunha (Witness, 1985) e, embora seja um trabalho menos apreciado, já mostrava indícios do que poderia propor ao cinema.

O longa conta exclusivamente com um ar de mistério contínuo durante praticamente todo o longa. Ele tenta sustentar-se nessa única ferramenta para prender justamente o espectador para o desfecho final. O filme mostra-se invariavelmente consciente do que deseja, e, embora possa não agradar à todos, ao menos não o trai propondo e prometendo algo que ninguém verá. Dentre aquilo que pode-se destacar como qualidade na obra, a lentidão por vezes exagerada e monótona mostra que o interesse é realmente contar de forma branda e poética o mistério do desaparecimento de três jovens ao visitarem a montanha.



O filme se passa no dia de São Valentim, no ano de 1900, na Austrália Meridional, e baseia-se numa história real. Conta-se a história de um grupo de dezoito alunas de um colégio victoriano que são levadas para uma excurssão na tal montanha Hanging Rock. Lá, quatro das meninas decidem investigar a montanha até seu topo, onde três desaparecem. Uma, portanto, retorna para contar como acontecera o fato. Este desaparecimento é apresentado sem uma explicação concreta, é dúbio e interpretativo. Começam as hipóteses, a levantar-se possibilidades para entender o fato. Com um pouco ar de suspense e mostrando-se um tanto thriller, o mistério se estabelece. Entre idas e vindas, as garotas começam a resurgir, uma a uma, de maneira não esperada. Seria este um filme para se apreciar (talvez unicamente apreciar) o decorrer da história, já que seu final, embora justo por ser baseado em um fato verídico, não é digno dos melhores filmes do diretor. É justo, sim, mas não resolve.

A destacar-se, ainda, a esquisita (esquisita, não ruim) música permanente nas cenas de mistério. Ela até que cai bem com o contexto, com o clima e principalmente com o tempo e o local em que se passa, mas é digna das musiquinhas de centro da cidade. Entendamos como não-apropriada. Porém, se o efeito sonoro não dá tanta força para manter o clima, as imagens compensam facilmente, já que durante as lentas cenas e diálogos nos deixam proporcionar a beleza natural do local e da própria filmagem escolhida. Para defini-lo, talvez possamos dizer que é uma boa, lenta e investigativa subida a um monte chinês, prestes a encontrar um sábio monge que nos fará encontrar nosso próprio eu.




Crítica: 2001 - Uma Odisséia No Espaço

Por trás de todo gênio há um pouco de louco. A incompreensão inicial, contínua e a incapacidade de entender essa obra de forma definitiva é o caminho pra se entender melhor aquilo que a própria obra propõe. Aquilo que o traz aversão inicial e prolongada, misturando-se com o tempo, com a dúvida e a incerteza de seu próprio pensamento quanto às ideias alheias sobre este mesmo produto, é o mesmo caso que será julgado com desprezo e com brilhantismo. Se o homem, em sua história, não conhece a verdade ou a razão sobre aquilo que ele mesmo quer achar uma explicação sem saber se de fato exista, esta dúvida aparentemente eterna ou, quem sabe, erroneamente interpretada por quem se considera detentor de uma verdade absoluta e adquirida, esta será a maior obra da sétima arte capaz de resumir em infinitos tipos de análises aquilo que hoje representamos no universo e conhecemos sobre nós mesmos. Pouco.

Não se trata de uma tentativa de apresentar algo incompreensível, mas sim de retratar com frieza e exatidão o que ainda não compreendemos. A maior habilidade desta obra se dá na imensa capacidade de atingir tudo aquilo que inicialmente foi proposto. E isso não é pouca coisa. Essa ideia se fundamenta e ganha força quando se analisa o conteúdo principalmente filosófico e extremamente abrangente da proposta. É como se tentássemos abraçar o mundo, resumi-lo, traduzi-lo, explicá-lo e, principalmente, defini-lo por completo, a nós mesmos. Também não se trata de uma filosofia barata ou pensamento mascarado de procurar complexidade e profundidade inexistentes sobre uma abordagem rasa, de poucas análises e fundamentos. O que se procura, na verdade, é a sua dúvida e o seu conhecimento maior sobre si mesmo.

Se na nossa própria história, oriunda de milhares de anos, não nos mostra nem nos dá capacidade de um pensamento único sobre a explicação do todo, esta, dentre aquilo que a humanidade neste momento de sua história é capaz de produzir, será a melhor explanação sobre a aceitação da incapacidade atual de saber o que significa o mistério. Através das áreas do conhecimento por nós desenvolvidos e interpretados da natureza que nos mantém, obtivemos conclusões através de experimentos e hoje julgamos o nosso próprio universo e tudo aquilo que nele está contido em busca somente da única coisa que realmente nos parece interessar: cessar a angústia humana sobre sua razão de existir. Não, não penseis que ela já fora encontrada, demo-nos ao direito somente de imaginar que estamos a caminho, tão somente, sem inclusive tentar medir o tempo, julgando-nos perto ou distantes deste objetivo, já que nem sobre ele temos tanto conhecimento.

Esta obra única da história do cinema é assinada por um gênio, que em outra oportunidade já fora descrito aqui. Marcado por sua capacidade de sempre fazer adaptações para o cinema extremamente qualificadas de obras literárias, nessa obra aqui descrita, há um algo mais. Trata-se, novamente, de Stanley Kubrick. A obra: 2001 - Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968). Esta é a representação máxima de sua filmografia, de sua capacidade de expressão. Tanto que ela poderia ser encarada de forma paralela, sem a obrigatoriedade de comparações diretas a outros filmes, como outra obra qualquer da história do cinema. Isso porque o que este trabalho busca propor está justamente muito além de uma simples explanação, de uma apresentação de ideias tramadas num roteiro na tentativa de fazer cada expectador compreender a ideia do diretor, do roteirista, julgando tão somente o conteúdo da história que foi proposta. “2001” é mais. Quer mais, muito mais. E para chegar a seu objetivo, liberta-se de qualquer pensamento pré-definido sobre representação das ideias através das imagens. Se a abrangência e o interesse são infinitamente amplos, o comportamento e a apresentação do conteúdo tem que acompanhar o compasso. E o longa se mostra imenso nas imagens e na profundidade, e é, sem sombra de dúvidas, um filme muito atual. Não se trata de um filme para cinéfilos, não se trata de puramente entretenimento, não se trata de diversão. Seria esta uma magnífica expressão sobre um ponto-de-vista particular de explanar e demonstrar estas ideias através de um veículo de comunicação a toda a parte interessada.

Não serão, portanto, discutidos e demonstrados interesses pontuais na elaboração da trama e do roteiro sobre a obra. Não cabe criticar personagens nem interpretação de atores. Não cabe tentar encontrar simples palavras e argumentos para resumir tão cruamente o que é de uma abrangência infinitamente maior. Vale, sim, parar e analisar o todo, tudo que nele se insere, na ilusão de achar uma resposta unânime. Assim, Kubrick inicia sua épica jornada mostrando ao expectador quem ele é, de onde ele provém. Atribui, assim, um choque inicial, muito bem interpretado. Nos primeiros trinta minutos seremos primatas, desprovidos de uma inteligência mais aguçada, mais convincente e cômoda sobre si. Nisso, a proposta de voltar três milhões de anos no tempo, com a ausência – óbvia – da fala, não propõe nada, ao contrário, obriga o espectador a tirar conclusões, a entender-se, a encontrar respostas, aquilo que ele fará ao longo de todo o filme. Entraremos em contato com um misterioso monolito, instintivamente o estudaremos, assim como faremos posteriormente com o mesmo monolito, passados os três milhões de anos, dando a ideia de não-progressão, ou de uma progressão imaginária e ilusória. Somos ainda como primatas na vastidão da complexidade do universo. Isso, claro, marcado por uma trilha sonora indescritível, mas que aqui, cruelmente, tentarei fazer. Diante do interesse maior deste longa, não se poderia, jamais, abdicar-se da oportunidade de utilizar-se o cérebro de cada espectador sem a consciência do próprio para fazê-lo entender a mensagem central de cada cena. A demonstração lenta dos acontecimentos e a narrativa sem pressa da história tenta-nos fazer acompanhar o ritmo, nos acalmar e preparar para o que está por vir. Serão as inconfundíveis e marcantes trilhas sonoras dos filmes de Kubrick que resumirão em áudio aquilo que se poderia falar. Porém, assim como tudo no longa, é melhor propor a interpretação do que entregar uma explicação pronta no conforto de entender facilmente uma ideia. Daí, até chegar à marcante cena do homem entrando em contato com seu primeiro instrumento de trabalho e manuseio, já se espera ter preparado o terreno para o que tem por vir.



Passados estes minutos introdutórios, faz-se o maior corte da história do cinema: três milhões de anos. E parece que estamos em contato com uma nova espécie: o homem detentor de conhecimento. Sua inteligência está no foco do filme, e o fará ir à Lua e à Júpiter. Longe, como sua imaginação. Porém, outras propostas seguirão, dando início às abordagens mais contemporâneas, principalmente a relação do homem com a máquina, utilizando-se de uma inteligência artificial, representada pelo computador HALL-9000. Esta odisseia no espaço buscará mostrar que tudo pode ser maior, muito maior que nossa própria imaginação. Que o bloqueio intelectual fará o homem parar no tempo, inconsciente de sua própria capacidade e de seu próprio limite. Porém, uma vez que não se conhece a existência do todo, o limite não haverá, será somente encontrado quando tudo lhe for explicado, e até lá, pode-se decorrer um tempo inimaginável, incalculável, tanto quanto obstáculos ainda não esperados. Esta jornada audaciosa do homem poderá lhe custar um contato mental proporcional ao seu interesse, onde se propõe uma leitura sobre a possibilidade de uma existência de inteligência paralela à do homem.

Quando a obra termina, claro, muito se observa. Há quem não entenda nada, há quem diga que entendeu tudo, há quem discorde, concorde, questione, ame, odeie ou considere-o um excelente resumo do atual estágio da inteligência da vida humana. Resultarão, por fim, diversas interpretações sobre a obra que tenta interpretá-lo. Nessa instabilidade sobre uma conclusão e definição única da obra de Kubrick, todos poderão considerá-lo uma viagem, em qualquer sentido, mas que propõe e atinge com excelência seu interesse original: enaltecendo o pensamento, a interpretação, a imaginação. Aliás, quando da elaboração do livro escrito por Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke, tudo já se resumia no pensamento de seus autores, afirmando que “se algum dia alguém disser que entendeu o significado e a obra por completo, nós fracassamos”.





Crítica: Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock'n'Roll

"- O senhor tem alguma experiência? - Claro, experiência... é, experiência, né? O quê você quer dizer com experiência? - Empregos anteriores! O quê você sabe fazer? - Ahn? O quê eu sei fazer? É, eu sei fazer... cachimbinhos de durepox! - Cachimbinhos de durepox? E pra que servem cachimbinhos de durepox? - Pra puxar fumo, oras!".

Wood  & Stock: Sexo, Orégano e Rock'n'Roll (2006) se apresenta como uma visão cômica e sadia de uma vida alternativa e com alguns ideais. Neste longa brasileiro dirigido por Otto Guerra o que se sobressai é a boa capacidade de fazer comédia sobre uma família hippie, contada de maneira simples durante apenas 80 minutos em animação, que é infinitamente pouco explorado no Brasil, e já vale pela maneira alternativa de retratar e contar a história.

O filme funciona, dentre aquilo que pode se ver no país do bunda-tiro-futebol é uma opção bem válida, tendo momentos de grandes sacadas e mostrando uma comédia até surpreendente, dependendo, claro, da bagagem e simpatia de cada um com o estilo do filme. Não é um filme de massa, não é uma história profunda, mas tem um roteiro bem cuidado e, dentro de seus propósitos, atinge fácil seus objetivos com seu restrito público-alvo. Além da comédia às vezes irônica e sarcástica, tem boas referências musicais à artistas e bandas de rock nacionais e internacionais. Isso se deve, é claro, pois o modo alternativo e um tanto anárquico dos personagens centrais representa um pouco daquilo que propõe a música e a ideologia do rock'n'roll.

Na trama, Wood, um pai em genética mas não em essência, é quem dá ritmo ao filme. Totalmente descompromissado e desapegado àquilo que ele menciona como "sistema", representa a mentalidade de um típico cara que não tá nem aí pras coisas, deixa as contas atrasarem meses, não toma banho, deixa o lixo do banheiro transbordar e tudo o mais, é um pouco de família no meio de uma grande sujeira. Seu método de vida não é muito compreensível pela esposa - mas que também não dá lá os melhores exemplos - e é totalmente contrário aos princípios do filho, que deseja estudar economia e seguir uma vida "normal". Aí, uma das boas e quase imperceptíveis ideias: retratar o desleixo e a falta de compromisso e responsabilidade por parte do pai, talvez mostrando um pouco daquilo que num futuro próximo possamos ver - ou não.



Para completar o elenco, Wood tem, como não poderia deixar de ser, a companhia de seu grande amigo Stock, que pede para morar em sua casa depois da morte de seu pai. Após este fato, sua esposa decide deixar a casa por motivos um tanto óbvios, mas nada que seja muito lamentado pelo marido. O que importa mesmo é fumar, nada mais. Fumar orégano. Essa droga liberada e vendida com toda a praticidade de adquiri-las no supermercado. A felicidade haverá enquanto a droga também houver. E é somente quando ela acaba que Wood percebe - em suas ideias - que tem algo de errado. É hora de tomar banho, arrumar um emprego e se vender ao sistema! É aí que decidem então montar uma banda, reviver os velhos tempos e transformar toda a experiência - ou falta de - vida acumulada em música. Assim, Wood, Stock, um ex-colega e o incrível porco-cantor-psicodélico formam o Chiqueiro Elétrico. Genial. Buscarão, através da música, novas oportunidades e condições de vida, embora não muito aceitáveis pelos membros da banda.

Ouvir Chiqueiro Elétrico tocar é magnífico, válido de bis, mesmo com a infinita limitação musical, mas ver um porco cantar, ou melhor, grunhir em sons de canto é indescritível. É, quem sabe, a melhor forma de encarar o longa, onde, assim como os pesonagens centrais, dá bem a entender qual o espírito adotado pelos produtores e roteiristas, e deixa transcender uma vontade/interesse amargurado em ver a comédia em situações cada vez menos improváveis, e que cientes da falta de público, interesse, divulgação e aceitação da grande massa de espectadores brasileiros, o que importa é o ideal, saber que a consciência de um ótimo trabalho para os poucos será o bastante pra por o resto todo num papelzinho, enrolar, tragar e festejar em sua ignorância.




Crítica: Sem Licença Para Dirigir

Se tem uma coisa que crítico de filmes gosta de fazer, é dividir a história do cinema em décadas. Mesmo originando-se ainda no século XIX, esta classificação só se tornou mais aparente da metade do século passado para cá. Mas os críticos têm sua razão, de fato há uma melhor "leitura" da história do cinema se o mesmo for dividido por décadas. Esta razão se dá, ainda, na representatividade que a 7ª arte registra no tempo os acontecimentos da própria história humana. Dessa forma, assistir um filme dos anos 60, 80 ou 2000 pode ser melhor avaliado se for levado em consideração o momento de sua produção, tanto no aspecto técnico quanto nas intenções, críticas e objetivos de cada obra naquele tempo.

Dito isto, dentre estas últimas décadas do cinema, sem dúvida, a década de 80 se destacou como "a grande década". Justiça seja feita: este notório destaque pode ter algumas explicações, dentre elas, o público oitentista, que cresceu, desenvolveu seus gostos e é o mesmo público que hoje possui maior facilidade e acesso à internet, faz parte de uma geração nostálgica, infeliz com os tempos atuais, que alimentam-se em grande parte dessas lembranças de um tempo que já não volta mais. Mesmo famosa por ser a 'década brega', a qualidade de jogos, filmes, brinquedos, e tudo que referencia aquele tempo são muito bem compreendidos pelos que hoje têm mais de vinte e tantos anos. Só que assim como outros momentos, esta década está registrada, está representada nos longas da época, e é aí que eles falam por si.

Em suma, a década de 80 foi marcada por filmes de ação protagonizados por astros que surgiram na época e que marcaram o estilo um-contra-todos. Filmes com um enredo simples, mas que criaram alguns "eternos" heróis do cinema, que possuíam, claro, produções e orçamentos menores do que os filmes atuais e contavam com participações mais verdadeiras e menos dublês do que nestes novos tempos. Outro gênero bastante importante e que leva uma grande geração saudosista, são os clássicos filmes de comédia. Num estilo de rebeldia, estes longas representavam o início de atitudes que não atendiam em nada ao politicamente correto. Era a curtição sobresaindo-se ao interesse de uma mensagem mais clara, concisa, idealista. De fato em geral os filmes oitentistas no fundo não queriam dizer lá muitas coisas, não era os seus propósitos.

Porém, um dos gêneros - se não o principal - que representam maior dificuldade em cativar um público de massa é realmente a comédia, até porque os fatores que motivam cada pessoa a considerar uma cena boa/engraçada ou não são muito diversos. Andando sobre uma linha tênue, a possibilidade de transformar uma boa comédia numa obra tola e sem-graça sempre foi o maior problema dos produtores e diretores do gênero. Mas é justamente nestes filmes oitentistas que o gênero encontrou seu auge.

Marcado por clássicos como Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller's Day Off, 1986), Os Goonies (The Goonies, 1985), Minha Vida É Um Desastre (Better Off Dead..., 1985), Te Pego Lá Fora (Three O'Clock High, 1987), Deu a Louca Nos Monstros (The Monster Squad, 1987), De Volta Para o Futuro (Back to the Future, 1985), Quero Ser Grande (Big, 1988) e outros grandes filmes que representam este estilo, todos estes ficariam reconhecidos muito mais por ser extremamente cativantes, do que por suas poucas originalidades no roteiro, e contavam essencialmente com a premissa de um jovem rapaz descobrindo a vida, um grande amigo, uma linda garota, um carro e a incessante busca por diversão e reconhecimento no colégio.

Sem Licença Para Dirigir (License to Drive, 1988) dirigido por Greg Beeman, é, também, um excelente exemplo disso tudo e, embora sua divulgação não tenha sido tão ampla (este filme nem chegou ao Brasil), é uma comédia de primeira. No roteiro, nada de novo: Les Anderson, interpretado por Corey Haim, que atuou também em Os Garotos Perdidos (The Lost Boys, 1987) e faleceu neste ano de 2010 supostamente por overdose, estrela o filme, e é um garoto que acabara de fazer 16 anos e torna-se apto a tirar carteira de motorista (de acordo com a legislação americana). Les decide definitivamente tentar conquistar a garota dos seus sonhos, Mercedes Lane, (Heather Graham), mas para isso tem que adequar-se ao status de homem independente, e conseguir um carro, que segundo ele, representaria toda a sua liberdade.



Este é o fator motivador do filme: a interminável vontade de mostrar à todos e a si mesmo que é capaz, que não é um simples garoto fisicamente desqualificado e sem carro, e, ao reprovar no exame teórico para tirar a licença de motorista, percebe que seus planos podem chegar ao fim. Mas como a irracionalidade e o espírito aventureiro sempre falam mais alto, decide enganar à todos sobre sua desqualificação, ignora os pedidos de seu pai e parte em busca daquilo que parece mais importante na sua vida: conquistar Mercedes. Les pega o Cadillac que seu avô tanto admira, e numa inesquecível noite - oh, que novidade - apronta todas, se mete cada vez mais em problemas, o carro é guinchado, arranha-o, é pego dirigindo sem carteira de habilitação por um guarda, e ainda consegue deixar um bêbado roubar seu carro e vomitar dentro dele, numa das cenas mais engraçadas do filme. Ele fracassa, a noite foi inesquecível mas não como ele gostaria que tivesse acontecido, e chega em casa já de manhã para entregar o carro quase todo destruído. É quando Les tem que provar que é motorista de verdade, pois sua mãe está quase dando à luz, e tem que dirigir o carro na marcha à ré até o hospital. Cena imperdível e memorável.

Sem Licença Para Dirigir não propõe muita profundidade para os personagens, é um longa muito simples de entender, mas nem por isso é raso. Conta com incontáveis cenas verdadeiramente engraçadas, que retratam, como já dito antes, o interesse e o pensamento "rebelde" da época, assim como os outros clássicos citados. Vale para quem busca simplicidade e ao mesmo tempo qualidade, que mesmo sabendo que o longa não trará grandes novidades, entregar-se ao bom humor oitentista é mais interessante que tentar achar cabelo em ovo.





Crítica: Violência Gratuita


É possível arrumar diversão com a desgraça alheia. Essa é uma das mensagens mais claras (mas nem por isso politicamente corretas) encontradas em Violência Gratuita (Funny Games, 1997), filme austríaco dirigido por Michael Haneke. Considerá-lo uma obra-prima talvez seja exagero, mas vale para quem achá-lo genial.

Eu admito.

Assim como outros filmes de tortura, quando o espectador sabe que este tipo de acontecimento está para ocorrer, basta esperar os minutos introdutórios da estória para iniciar-se a carnificina. Neste longa totalmente independente, há algumas sacadas muito válidas e pouco vistas, as quais, claro, não vale citar para não quebrar a expectativa. A diversão proposta pelo título original do filme (Jogos Engraçados, numa tradução literal) de fato existe, e é permanentemente exposta e percebida neste longa.

Na trama, uma família vai à passeio a sua casa do lago, a fim, como sempre, de descanso e repouso. Durante os primeiros momentos da família na casa, eles recebem a visita aparentemente despretenciosa de dois jovens rapazes. Propositadamente, eles arrumam desculpas e forjam momentos de pura inocência para começar as torturas psicológicas, mantendo-os reféns em sua própria casa. Com extrema calma e frieza dos verdadeiros psicopatas que são, derrubam inteligentemente as prováveis possibilidades de alguém fugir. Com todos da família como reféns, segue-se o período de torturas, que são muito mais psicológicas do que físicas, o que aumenta o suspense e abre espaço para as interpretações de quem assiste, além de convidar os espectadores a participar dos jogos propostos por eles. Este é um diferencial verdadeiramente interessante proposto no longa: a participação direta de quem assiste ao filme. Dessa forma, o espectador sente-se uma verdadeira testemunha desta desgraça, parte integrante de um problema que ele assiste buscando diversão, claro, comunica-se com os assassinos e é tão incapacitado de buscar ajuda quanto os membros da família.

Eles parecem incessantes, querem postergar a possível morte de suas vítimas, desejam a adrenalina de vê-los sofrer, de fazê-los perder a capacidade de raciocínio, expô-los à humilhação, e, inteligentes em seu propósito, sempre deixam uma esperança, que manterá a força necessária para que continuem a aceitar as propostas deles. Esta mente perversa é (desculpe) a graça do filme, afinal, de que mais ele valeria a pena? Ah, claro. Os olhares e sorrisos inqualificáveis de Paul (Arno Frisch) (que lembram muito o clássico Laranja Mecânica, 1971), além da cena verdadeiramente alternativa para desmentir e retroceder uma morte. Contudo, ainda é só um filme que retrata um acontecimento real na vida humana e objetiva entretenimento com isso (menos mau), não propõe nenhuma ideia neste sentido.



As comparações a outros bons filmes de tortura serão inevitáveis, como a série Jogos Mortais (Saw, 2004) e o menos conhecido - porém bastante interessante - Menina Má.com (Handy Candy, 2005) - vale lembrar que Violência Gratuita é mais antigo que estes outros dois. Porém, destaca-se a grande qualidade da obra, que é muito bem-aceita pelo público que gosta de filmes independentes, adoradores de filmes cult, e principalmente para quem curte verdadeiramente cinema, e gosta de se deparar com as obras "livres", sem o batido "script hollywoodiano". Um pouco de "mente aberta" e despretenciosidade para alguns filmes não faz mal a ninguém, e parar na bizarra música que "quebra o gelo" dos primeiros minutos do longa pode fazê-lo perder um ótimo filme.

A propósito, vale destacar que por ser uma obra não estadunidense e os norte-americanos terem extrema rejeição a filmes legendados, a obra acabou tendo pouca divulgação e proliferou-se muito mais pelo boca-a-boca do que pelo apelo comercial. Talvez esta seja a única justificativa para que este mesmo diretor refilmasse a obra em 2007 para a língua inglesa, mudando apenas os atores e mantendo impressionantemente todos os enquadramentos do filme pioneiro. Aí, é claro, relacionar o interesse desta divulgação ao interesse por dinheiro, não será mérito pra ninguém.




Crítica: A Estrada

Às vezes parece que nada fascina tanto a humanidade quanto a vontade de ver tudo acabado. Ok, não é de hoje que o ser humano se pergunta de onde veio e para onde vai, mas esta incógnita sobre a sua origem está cada vez menos interessante e importante a cada dia que passa. Esse interesse mal-resolvido é traduzido para o cinema de diversas formas, e fazer filme de apocalipse está virando clichê. Afinal, qual é o filme de apocalipse que você mais gosta? É, se dá pra fazer esta pergunta é porque já existem diversas alternativas como resposta.

Contudo, como forma de comunicação em massa e a força de expressão que tem o cinema, também não seria interessante se não víssemos estas adaptações, afinal (lá vai meu clichê) o ser humano está tomando atitudes cada vez mais perigosas, pondo em risco a existência de vida na Terra. Porém, incomoda ver filmes "boom", tanto na parte artística e apelativa a que ele se sujeita quanto no seu (ausente) conteúdo, que as vezes não passam de meros filmes-pipoca.

Neste cenário, A Estrada (The Road, 2009) dirigido por John Hillcoat vem nos propor e saudar com uma história comovente. Mais que uma obra de ficção pós-apocalíptica, a trama baseia-se num bom drama vivido por um homem (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit-McPhee), onde seus únicos objetivos são adiar a sua morte, e quem sabe, encontrar uma saída cada vez menos provável para suas vidas. Na trama, o garoto nasce no período pós-apocalíptico, e, portanto, não tem noção nenhuma de como eram todos aqueles locais devastados e destruídos a que ele encara como única verdade. Sem a capacidade de fazer comparações e remeter-se a lembranças de um mundo diferente deste, o ponto principal da narrativa baseia-se nas conversas que ele tem com seu pai. Cabe então ao pai, tentar traduzir e fazer colorir na mente da criança a beleza (?) que era a vida antes desta catástrofe.



Sem rumo e objetivos maiores, a vida perde sentido para o homem, enquanto que para o menino a sua vida nem chega a ganhar um. Não há mais leis, senão a da sobrevivência. Lentamente o espectador percebe que o caos é total na vida dos personagens, e passa a torcer pelo (mesmo que desesperançoso) sucesso dos dois. Nada mais importa para eles, e o longa conduz-se variando entre as explicações e lembranças do pai e a interminável busca por comida, em que, nos poucos seres humanos que ainda sobreviveram, esta desordem política faz com que o canibalismo seja compreendido. A confiança não existe quando se encontra uma outra pessoa, mesmo que esta jure o contrário, afinal, o que você pensa sobre ela, ela também pode estar pensando de você. Contudo, assim como as antigas leis da humanidade ante-apocalíptica, a necessidade da convivência com outros seres humanos ainda é real, e eles arriscam-se a acertar em alguns casos.

O filme retrata a desesperança, tira durante todo o tempo a expectativa de algo melhor, de que possa haver uma saída. Eles rumam ao sul na busca de algo que nem sabem o que possa ser. Não há outra alternativa. A triste perda da esposa abala ainda mais a vida do pai do garoto. Assim segue-se a história, que conta com uma fotografia admirável retratando com extrema realidade (?) os tons de cinza que o mundo se resumiu. Ainda que sem cores, é belo. Belo como esta história que põe em primeiro plano um roteiro original, transformando em arte (ainda) a trágica possibilidade para o desfecho da vida humana.




Crítica: O Iluminado


Aclamado pela crítica, O Iluminado (The Shining, 1980) pode ser considerado a verdadeira obra-prima do horror. Pudera, dirigido pelo genial Stanley Kubrick (Laranja Mecânica, 2001: Uma Odisséia no Espaço, Nascido Para Matar), adaptado fielmente do livro homônimo de Stephen King e com atuações brilhantes do elenco, soará redundante enaltecer tamanhas qualidades numa única obra, capaz de transcender os limites esperados, resumir, talvez, tão bem o significado da arte.

No livro escrito por Stephen King, em 1977, o consagrado escritor propõe a participação mental do leitor à interpretar nas entrelinhas o que descrevera na tragédia ocorrida com a família Torrance. Nas mãos de Kubrick, Jack Nicholson ganha reconhecimento de superastro do cinema, após esta que pode ser considerada a melhor interpretação do ator em sua carreira. Jack Nicholson vive Jack, um ex-alcoólatra e ex-professor mal sucedido financeiramente que acredita poder melhorar a vida de sua família quando surge a oportunidade de trabalhar como zelador no hotel Overlook, nas montanhas rochosas do Colorado, durante a temporada de inverno, em que o hotel ficara fechado.

Porém, esta tênue linha em que o personagem se encontra servirá de base para que o caos se estabeleça. Aliado à isso, Danny, o pequeno filho de Jack e sua esposa Wendy, possui poderes mentais de "ver" acontecimentos futuros e "presenciar" os inúmeros casos assombrosos ocorridos no passado negro do velho hotel. Danny é iluminado. Ele conversa com seu amigo imaginário Tony, que o guia mentalmente para prever o que poderá acontecer, dominando seu próprio corpo.

Num cenário perfeitamente adequado para transmitir este medo também a quem assiste, o diretor exagera (acertadamente) na quantidade de cenas que ampliam o horizonte de filmagem para mostrar toda a solidão a que os personagens estão inseridos. Consagradas cenas que resumem o horror do velho hotel, como as cenas em que o garoto Danny anda com seu triciclo pelos infinitos corredores e também na frase "Aquiiii está Jhonny!", quando a loucura já domina Jack. Jack, no entanto, é um refém de todo o mal do próprio hotel, que o utiliza como ferramenta para matar sua própria família. Ele não tem consciência de seu estado psicológico e deixa-se dominar por uma violência exagerada na tentativa de assassinar Wendy e Danny, após ser acusado pela própria esposa de tentar machucar o garoto.

Jack tenta escrever um livro durante o tempo que trabalha como zelador, deixa-se levar pela loucura e, insano, fantasia situações inexistentes, ao mesmo tempo que seu filho tem plena consciência do perigo que a família corre, deparando-se com o antigo assassinato do ex-zelador de duas jovens filhas e presenciando o mal existencial contido no quarto 237.

Para transmitir esta apreensão contínua e aparentemente interminável, mesmo composto por tão poucas cenas assustadoras, a trilha sonora do filme dá todo o clima e ajuda a manter o suspense e o medo em praticamente todo o longa. O medo virá de cada expectador, estando o filme somente propondo-se a extraí-lo de tal forma que o horror das cenas seja perfeitamente compreendido por quem assiste. De fato ele consegue. O filme é angustiante e assombroso, porém, perfeitamente agradável àqueles que gostam de um pouco de sadomasoquismo nos filmes. Neste aspecto, ele não decepciona.



O Iluminado ficou marcado pela enorme capacidade de transmitir medo, de causar espanto sem recorrer a manjadas técnicas de outros filmes de horror, com um terror profundamente psicológico e envolvente, atingindo muito mais a perfeição do que talvez monstros e seres inexistentes pudessem atingir. Utilizar-se do poder mental para provocar medo talvez seja mais interessante do que um poder visual, que muitas vezes pode ser atrelado à sustos repentinos, momentâneos e inconstantes. Assim, junto com O Exorcista (The Exorcist, 1973) e O Bebê de Rosemary (Rosemary's Baby, 1968), estes são considerados os maiores clássicos do terror.

Kubrick possui um reconhecimento invejável como diretor, considerado, por muitos, o maior diretor de todos os tempos. Com uma filmografia pequena, este perfeccionista deixara, em cada obra, sua característica Kubrickiana de dirigir, repetindo exageradamente cada cena a fim de atingir a sua perfeição, desagradando, algumas vezes, à paciência de seus atores, porém extremamente flexível, capaz de realizar drama, terror, ficção, aventura e romance com tamanha habilidade de tornar cada obra um clássico de cada gênero na história do cinema.





Crítica: Toy Story 3

Talvez não seja possível falar apenas da história. Como deixar de mencionar a exuberante qualidade do maior estúdio de animação da atualidade? A cada lançamento, os fãs da Pixar devem perguntar-se se terá algo com mais qualidade do que cada filme lançado na atualidade, e, claro, felicitam-se no costumeiro prazer que sim, não parece haver limites de perfeição à Pixar. Com trabalhos fundamentados muito mais do que na animação, a Pixar propõe-se a demonstrar algo mais, algo que talvez não seja de um interesse primordial para o desenvolvimento de filmes de animação: o roteiro. Desde seu primeiro trabalho em 1995 com Toy Story e a explosão deste grande sucesso, a Pixar tem evoluído muito a frente de seus concorrentes. Assim, seguiu-se o bom trabalho com Vida de Inseto (1998), Toy Story 2 (1999), Monstros S.A. (2001), Procurando Nemo (2002), Os Incríveis (2004), Carros (2006), Ratatouille (2007), Wall-E (2008) e Up (2009), até chegar na sua obra máxima, Toy Story 3 (2010), pelo menos provavelmente até o lançamento do próximo longa-metragem, ao que parece.

Aliado à grande importância do trabalho minucioso de criação de cada personagem, tanto quanto suas personalidades carismáticas, há a grande capacidade de transparecer toda a magia contida na ideia original sobre cada personagem de brinquedo. Não basta ser brinquedo, tem que ser real, tem que atender a uma expectativa imaginária e comparativa de cada um que verá o filme e buscará, direta ou indiretamente, uma ligação pessoal com a história, com sua história. Este é, talvez, um dois maiores pontos-forte visuais do longa, utilizando-se de cores vivas e sempre alegres, há aí o interesse de buscar a identificação de cada expectador. Não há o que contestar quanto à nenhum dos filmes da trilogia.

Se nos primeiros filmes a premissa baseava-se na história dos brinquedos com o seu dono, agora, passados 10 anos do último filme, este hiato de tempo acompanha a ideia do filme. Em Toy Story 3, Andy, agora com 17 anos, está numa nova etapa de sua vida, entrando na fase adulta, iniciando a faculdade. Já não é mais tempo de continuar com os inseparáveis brinquedos de sua infância. Nisso, a mudança de Andy para o mundo acadêmico o força a tomar atitude quanto aos seus brinquedos. Desencontros acontecem e Woody e seus amigos acabam tomando rumos não esperados, indo parar numa creche.

Nesta etapa do filme, o longa busca não demonstrar mais a perspectiva da relação dos brinquedos com seu dono, dando a eles certo ar de liberdade, numa aventura fora de seus lares, longes de seu dono, encontrando muitos outros brinquedos e atravessando alguns problemas, pondo-os em paradoxo, uma vez que não sabem se o melhor para si é retornar à companhia de Andy ou buscar uma nova vida, um novo dono.



Há, de fato, uma excelente qualidade do longa em todos os aspectos. Talvez seja possível considerá-lo o melhor filme de animação da história - até o momento -, se não, com certeza, um dos melhores. O filme busca atender à alguns interesses individuais, dentre eles, a grande e desafiadora necessidade de manter e/ou melhorar a qualidade dos consagrados dois primeiros filmes é a tarefa principal, uma vez que considerável parte do público-foco do filme estará na expectativa pessoal de rever - e agradar-se - com o filme que marcou suas infâncias, que agora retoma a franquia. É oportuno também destacar uma diferenciação deste longa para os demais. Neste terceiro trabalho, há mais ação, mais aventura, que mostram a cada cena que este será, com certeza, um clássico dos desenhos animados. Buzz Lightyear possibilita boas gargalhadas, assim como alguns outros personagens.

Com tantas qualidades, Toy Story 3 atende e supera a cada expectativa criada. É um filme único, linear, sem altos e baixos. Destaque individual para a dublagem de Tom Hanks, no papel de Woody, e à excelente direção de Lee Unkrich, que co-dirigiu Procurando Nemo, Monstros S.A. e Toy Story 2.





Crítica: É Proibido Fumar

Depois do reconhecimento nacional obtido pelo seu primeiro longa-metragem Durval Discos (2002), Anna Muylaert talvez realizara, em sua segunda obra, É Proibido Fumar (2009), tudo aquilo que não fizera no primeiro. Seu reconhecimento veio após o interessante e bem-humorado trabalho, ganhando seus prêmios e seu prestígio, gerando certa admiração pelo excelente humor-negro demonstrado na primeira obra.

Contudo, neste seu novo e segundo trabalho, as expectativas se murcham a cada minuto, a cada cena. Sobram referências ao longa anterior, desde tomadas de câmera, música, cenário e tempo até os personagens em si (utilizando novamente pessoas ligadas à música como ator sem propósito e atores repetidos). As atuações dos protagonistas são deprimentes, elenco fraquíssimo (com excessão da atuação do cachorro, que está muito bem no papel de cachorro). Sem nenhuma criatividade, É Proibido Fumar não diz a que veio, não mostra um propósito, não dá profundidade aos seus personagens. É um filme fraco e raso.

Como protagonista está Baby (não o porquinho atrapalhado, e sim Gloria Pires), vivendo uma mulher solteira, sem filhos, que mora sozinha à espera de nada. É o exemplo do insucesso. O filme tenta desenrolar-se quando ela conhece seu novo vizinho, Max (Paulo Miklos) que possui um ritmo de vida parecido com o dela. Eles se conhecem, rola aquele clima chato e os dois farrapos decidem juntar os panos. Há então a terceira pessoa, retratada num outro romance do rapaz, a qual serve de pilar para o problema vivido entre o novo casal e o filme em si. Após essa introdução pra lá de repetida, tem o síndico e a irmã fofoqueira - como não poderia deixar de ser -, pra celebrar a cereja no bolo. É então que, (in)experadamente, acaba o filme.



Espanta ainda saber que alguns atores puderam sujeitar-se à tamanha baboseira, com um roteiro que poderia ser descartado somente ao lê-lo em primeira mão, incapaz de definir até o gênero ao qual o longa busca - e não encontra - sua narrativa.

Pode-se fazer um adendo, ainda, ao título do filme, que (esse sim) justifica alguma coisa. Além da referência que faz à personagem que fuma incontáveis cigarros durante o filme e que realmente busca tentar parar de fumar (na busca pela sua aproximação com o novo vizinho), o título se perde e retrata a incapacidade até de dar nome a trama. Talvez devê-se proibir muitas outras coisas no filme além do que se sugere em seu título.




 

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