Crítica: Sem Licença Para Dirigir

Se tem uma coisa que crítico de filmes gosta de fazer, é dividir a história do cinema em décadas. Mesmo originando-se ainda no século XIX, esta classificação só se tornou mais aparente da metade do século passado para cá. Mas os críticos têm sua razão, de fato há uma melhor "leitura" da história do cinema se o mesmo for dividido por décadas. Esta razão se dá, ainda, na representatividade que a 7ª arte registra no tempo os acontecimentos da própria história humana. Dessa forma, assistir um filme dos anos 60, 80 ou 2000 pode ser melhor avaliado se for levado em consideração o momento de sua produção, tanto no aspecto técnico quanto nas intenções, críticas e objetivos de cada obra naquele tempo.

Dito isto, dentre estas últimas décadas do cinema, sem dúvida, a década de 80 se destacou como "a grande década". Justiça seja feita: este notório destaque pode ter algumas explicações, dentre elas, o público oitentista, que cresceu, desenvolveu seus gostos e é o mesmo público que hoje possui maior facilidade e acesso à internet, faz parte de uma geração nostálgica, infeliz com os tempos atuais, que alimentam-se em grande parte dessas lembranças de um tempo que já não volta mais. Mesmo famosa por ser a 'década brega', a qualidade de jogos, filmes, brinquedos, e tudo que referencia aquele tempo são muito bem compreendidos pelos que hoje têm mais de vinte e tantos anos. Só que assim como outros momentos, esta década está registrada, está representada nos longas da época, e é aí que eles falam por si.

Em suma, a década de 80 foi marcada por filmes de ação protagonizados por astros que surgiram na época e que marcaram o estilo um-contra-todos. Filmes com um enredo simples, mas que criaram alguns "eternos" heróis do cinema, que possuíam, claro, produções e orçamentos menores do que os filmes atuais e contavam com participações mais verdadeiras e menos dublês do que nestes novos tempos. Outro gênero bastante importante e que leva uma grande geração saudosista, são os clássicos filmes de comédia. Num estilo de rebeldia, estes longas representavam o início de atitudes que não atendiam em nada ao politicamente correto. Era a curtição sobresaindo-se ao interesse de uma mensagem mais clara, concisa, idealista. De fato em geral os filmes oitentistas no fundo não queriam dizer lá muitas coisas, não era os seus propósitos.

Porém, um dos gêneros - se não o principal - que representam maior dificuldade em cativar um público de massa é realmente a comédia, até porque os fatores que motivam cada pessoa a considerar uma cena boa/engraçada ou não são muito diversos. Andando sobre uma linha tênue, a possibilidade de transformar uma boa comédia numa obra tola e sem-graça sempre foi o maior problema dos produtores e diretores do gênero. Mas é justamente nestes filmes oitentistas que o gênero encontrou seu auge.

Marcado por clássicos como Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller's Day Off, 1986), Os Goonies (The Goonies, 1985), Minha Vida É Um Desastre (Better Off Dead..., 1985), Te Pego Lá Fora (Three O'Clock High, 1987), Deu a Louca Nos Monstros (The Monster Squad, 1987), De Volta Para o Futuro (Back to the Future, 1985), Quero Ser Grande (Big, 1988) e outros grandes filmes que representam este estilo, todos estes ficariam reconhecidos muito mais por ser extremamente cativantes, do que por suas poucas originalidades no roteiro, e contavam essencialmente com a premissa de um jovem rapaz descobrindo a vida, um grande amigo, uma linda garota, um carro e a incessante busca por diversão e reconhecimento no colégio.

Sem Licença Para Dirigir (License to Drive, 1988) dirigido por Greg Beeman, é, também, um excelente exemplo disso tudo e, embora sua divulgação não tenha sido tão ampla (este filme nem chegou ao Brasil), é uma comédia de primeira. No roteiro, nada de novo: Les Anderson, interpretado por Corey Haim, que atuou também em Os Garotos Perdidos (The Lost Boys, 1987) e faleceu neste ano de 2010 supostamente por overdose, estrela o filme, e é um garoto que acabara de fazer 16 anos e torna-se apto a tirar carteira de motorista (de acordo com a legislação americana). Les decide definitivamente tentar conquistar a garota dos seus sonhos, Mercedes Lane, (Heather Graham), mas para isso tem que adequar-se ao status de homem independente, e conseguir um carro, que segundo ele, representaria toda a sua liberdade.



Este é o fator motivador do filme: a interminável vontade de mostrar à todos e a si mesmo que é capaz, que não é um simples garoto fisicamente desqualificado e sem carro, e, ao reprovar no exame teórico para tirar a licença de motorista, percebe que seus planos podem chegar ao fim. Mas como a irracionalidade e o espírito aventureiro sempre falam mais alto, decide enganar à todos sobre sua desqualificação, ignora os pedidos de seu pai e parte em busca daquilo que parece mais importante na sua vida: conquistar Mercedes. Les pega o Cadillac que seu avô tanto admira, e numa inesquecível noite - oh, que novidade - apronta todas, se mete cada vez mais em problemas, o carro é guinchado, arranha-o, é pego dirigindo sem carteira de habilitação por um guarda, e ainda consegue deixar um bêbado roubar seu carro e vomitar dentro dele, numa das cenas mais engraçadas do filme. Ele fracassa, a noite foi inesquecível mas não como ele gostaria que tivesse acontecido, e chega em casa já de manhã para entregar o carro quase todo destruído. É quando Les tem que provar que é motorista de verdade, pois sua mãe está quase dando à luz, e tem que dirigir o carro na marcha à ré até o hospital. Cena imperdível e memorável.

Sem Licença Para Dirigir não propõe muita profundidade para os personagens, é um longa muito simples de entender, mas nem por isso é raso. Conta com incontáveis cenas verdadeiramente engraçadas, que retratam, como já dito antes, o interesse e o pensamento "rebelde" da época, assim como os outros clássicos citados. Vale para quem busca simplicidade e ao mesmo tempo qualidade, que mesmo sabendo que o longa não trará grandes novidades, entregar-se ao bom humor oitentista é mais interessante que tentar achar cabelo em ovo.





Crítica: Violência Gratuita


É possível arrumar diversão com a desgraça alheia. Essa é uma das mensagens mais claras (mas nem por isso politicamente corretas) encontradas em Violência Gratuita (Funny Games, 1997), filme austríaco dirigido por Michael Haneke. Considerá-lo uma obra-prima talvez seja exagero, mas vale para quem achá-lo genial.

Eu admito.

Assim como outros filmes de tortura, quando o espectador sabe que este tipo de acontecimento está para ocorrer, basta esperar os minutos introdutórios da estória para iniciar-se a carnificina. Neste longa totalmente independente, há algumas sacadas muito válidas e pouco vistas, as quais, claro, não vale citar para não quebrar a expectativa. A diversão proposta pelo título original do filme (Jogos Engraçados, numa tradução literal) de fato existe, e é permanentemente exposta e percebida neste longa.

Na trama, uma família vai à passeio a sua casa do lago, a fim, como sempre, de descanso e repouso. Durante os primeiros momentos da família na casa, eles recebem a visita aparentemente despretenciosa de dois jovens rapazes. Propositadamente, eles arrumam desculpas e forjam momentos de pura inocência para começar as torturas psicológicas, mantendo-os reféns em sua própria casa. Com extrema calma e frieza dos verdadeiros psicopatas que são, derrubam inteligentemente as prováveis possibilidades de alguém fugir. Com todos da família como reféns, segue-se o período de torturas, que são muito mais psicológicas do que físicas, o que aumenta o suspense e abre espaço para as interpretações de quem assiste, além de convidar os espectadores a participar dos jogos propostos por eles. Este é um diferencial verdadeiramente interessante proposto no longa: a participação direta de quem assiste ao filme. Dessa forma, o espectador sente-se uma verdadeira testemunha desta desgraça, parte integrante de um problema que ele assiste buscando diversão, claro, comunica-se com os assassinos e é tão incapacitado de buscar ajuda quanto os membros da família.

Eles parecem incessantes, querem postergar a possível morte de suas vítimas, desejam a adrenalina de vê-los sofrer, de fazê-los perder a capacidade de raciocínio, expô-los à humilhação, e, inteligentes em seu propósito, sempre deixam uma esperança, que manterá a força necessária para que continuem a aceitar as propostas deles. Esta mente perversa é (desculpe) a graça do filme, afinal, de que mais ele valeria a pena? Ah, claro. Os olhares e sorrisos inqualificáveis de Paul (Arno Frisch) (que lembram muito o clássico Laranja Mecânica, 1971), além da cena verdadeiramente alternativa para desmentir e retroceder uma morte. Contudo, ainda é só um filme que retrata um acontecimento real na vida humana e objetiva entretenimento com isso (menos mau), não propõe nenhuma ideia neste sentido.



As comparações a outros bons filmes de tortura serão inevitáveis, como a série Jogos Mortais (Saw, 2004) e o menos conhecido - porém bastante interessante - Menina Má.com (Handy Candy, 2005) - vale lembrar que Violência Gratuita é mais antigo que estes outros dois. Porém, destaca-se a grande qualidade da obra, que é muito bem-aceita pelo público que gosta de filmes independentes, adoradores de filmes cult, e principalmente para quem curte verdadeiramente cinema, e gosta de se deparar com as obras "livres", sem o batido "script hollywoodiano". Um pouco de "mente aberta" e despretenciosidade para alguns filmes não faz mal a ninguém, e parar na bizarra música que "quebra o gelo" dos primeiros minutos do longa pode fazê-lo perder um ótimo filme.

A propósito, vale destacar que por ser uma obra não estadunidense e os norte-americanos terem extrema rejeição a filmes legendados, a obra acabou tendo pouca divulgação e proliferou-se muito mais pelo boca-a-boca do que pelo apelo comercial. Talvez esta seja a única justificativa para que este mesmo diretor refilmasse a obra em 2007 para a língua inglesa, mudando apenas os atores e mantendo impressionantemente todos os enquadramentos do filme pioneiro. Aí, é claro, relacionar o interesse desta divulgação ao interesse por dinheiro, não será mérito pra ninguém.




Crítica: A Estrada

Às vezes parece que nada fascina tanto a humanidade quanto a vontade de ver tudo acabado. Ok, não é de hoje que o ser humano se pergunta de onde veio e para onde vai, mas esta incógnita sobre a sua origem está cada vez menos interessante e importante a cada dia que passa. Esse interesse mal-resolvido é traduzido para o cinema de diversas formas, e fazer filme de apocalipse está virando clichê. Afinal, qual é o filme de apocalipse que você mais gosta? É, se dá pra fazer esta pergunta é porque já existem diversas alternativas como resposta.

Contudo, como forma de comunicação em massa e a força de expressão que tem o cinema, também não seria interessante se não víssemos estas adaptações, afinal (lá vai meu clichê) o ser humano está tomando atitudes cada vez mais perigosas, pondo em risco a existência de vida na Terra. Porém, incomoda ver filmes "boom", tanto na parte artística e apelativa a que ele se sujeita quanto no seu (ausente) conteúdo, que as vezes não passam de meros filmes-pipoca.

Neste cenário, A Estrada (The Road, 2009) dirigido por John Hillcoat vem nos propor e saudar com uma história comovente. Mais que uma obra de ficção pós-apocalíptica, a trama baseia-se num bom drama vivido por um homem (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit-McPhee), onde seus únicos objetivos são adiar a sua morte, e quem sabe, encontrar uma saída cada vez menos provável para suas vidas. Na trama, o garoto nasce no período pós-apocalíptico, e, portanto, não tem noção nenhuma de como eram todos aqueles locais devastados e destruídos a que ele encara como única verdade. Sem a capacidade de fazer comparações e remeter-se a lembranças de um mundo diferente deste, o ponto principal da narrativa baseia-se nas conversas que ele tem com seu pai. Cabe então ao pai, tentar traduzir e fazer colorir na mente da criança a beleza (?) que era a vida antes desta catástrofe.



Sem rumo e objetivos maiores, a vida perde sentido para o homem, enquanto que para o menino a sua vida nem chega a ganhar um. Não há mais leis, senão a da sobrevivência. Lentamente o espectador percebe que o caos é total na vida dos personagens, e passa a torcer pelo (mesmo que desesperançoso) sucesso dos dois. Nada mais importa para eles, e o longa conduz-se variando entre as explicações e lembranças do pai e a interminável busca por comida, em que, nos poucos seres humanos que ainda sobreviveram, esta desordem política faz com que o canibalismo seja compreendido. A confiança não existe quando se encontra uma outra pessoa, mesmo que esta jure o contrário, afinal, o que você pensa sobre ela, ela também pode estar pensando de você. Contudo, assim como as antigas leis da humanidade ante-apocalíptica, a necessidade da convivência com outros seres humanos ainda é real, e eles arriscam-se a acertar em alguns casos.

O filme retrata a desesperança, tira durante todo o tempo a expectativa de algo melhor, de que possa haver uma saída. Eles rumam ao sul na busca de algo que nem sabem o que possa ser. Não há outra alternativa. A triste perda da esposa abala ainda mais a vida do pai do garoto. Assim segue-se a história, que conta com uma fotografia admirável retratando com extrema realidade (?) os tons de cinza que o mundo se resumiu. Ainda que sem cores, é belo. Belo como esta história que põe em primeiro plano um roteiro original, transformando em arte (ainda) a trágica possibilidade para o desfecho da vida humana.




 

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